Roberto Freire: "Vamos investir em livros e em leitura"

Roberto Freire: "Vamos investir em livros e em leitura"

publicidade

Atual ministro da Cultura do governo Michel Temer, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro e ex-deputado federal pelo PPS, o pernambucano Roberto Freire, 74 anos, esteve em Porto Alegre no último fim de semana para uma série de encontros com autoridades gaúchas. Almoçou com o prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Júnior, o vice-prefeito Gustavo Paim e o secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse, encontrou-se com o governador José Ivo Sartori e participou de um coquetel na casa do médico Gilberto Schwartsmann, presidente da Fundação Bienal do Mercosul.

Nesta entrevista ao Caderno de Sábado, Freire aposta que Temer chegará a 2018 no poder e diz que o seu ministério vai investir mais em livros e em leitura. Bom de polêmica, faz o balanço do episódio em que se estranhou com o escritor Raduan Nassar.

Correio do Povo: Na entrega do Prêmio Camões, Raduan Nassar criticou o governo Michel Temer por sua suposta ilegitimidade. O senhor reagiu duramente. A polêmica está superada?

Roberto Freire: Claro que está. Eu não tenho a menor dúvida quanto a isso. Se você não me falasse, eu nem me lembraria disso. A superação começou para mim no momento mesmo em que todo aquele processo, no mínimo deselegante, teve a resposta devida.

CP: O senhor viu naquilo a posição dos intelectuais brasileiros em relação ao governo Temer?

Roberto Freire: Foi coisa de alguns. Ali se tinha intelectual estava na condição de ativista político em favor do governo que foi afastado por impeachment. Eu não fui surpreendido pela posição de Raduan Nassar. Eu fui surpreendido pela mediocridade do seu discurso. Imaginava que pudesse haver alguma tensão, mas não imaginava que fosse com aquele histrionismo. Se fosse algo mais sério, não teria nem o ato.

CP: Nassar deveria ter devolvido o dinheiro do prêmio?

Roberto Freire: Aí é coisa da consciência dele. Eu acho é que um protesto para ser devidamente sério precisa ser sério também nas suas consequências.

CP: Jean-Paul Sartre não foi buscar o Nobel...

Roberto Freire: De forma objetiva é isso que todo mundo tem falado.

CP: A intelectualidade já aceitou o governo Temer?

Roberto Freire: Estamos num regime democrático. Sem pensamento único. Nem todos pensam igual. No ministério, não tenho enfrentado qualquer problema. Os ativistas dizem o que querem. Os demais que divergem o fazem sem qualquer atitude de discriminação. Temos, inclusive, bons relacionamentos com governos do PT. Não sou ministro de partido algum nem desse governo. Sou ministro da República. O presidente seguirá até 2018. Espero que possa entregar um país melhor ao próximo governante.

CP: Este é ano do centenário da Revolução Russa de 1917. O senhor integrou o Partido Comunista Brasileiro. Qual o seu balanço desse fato histórico? A sua alma ainda é comunista?

Roberto Freire: Tenho pensado no assunto. Dentro do nosso partido temos discutido o que vamos fazer sobre isso. Não se pode negar que foi um fato histórico da maior importância. Mudou o mundo. Não importa o que se pense sobre os erros e acertos da revolução de 1917, uma coisa é inquestionável: foi marcante na história. Ajudou a construir no mundo algumas sociedades bem mais justas. Permitiu que se desse voz aos que não a tinham, fortaleceu as esquerdas e obrigou o próprio sistema capitalista a se transformar, afetando também os processos de descolonização e tendo papel importante na superação da tragédia humana que foi a Segunda Guerra Mundial. Não adianta fugir: marcou o século XX. Vamos comemorar. Mas eu não diria que ainda tenho a alma comunista. Essa experiência histórica se exauriu. Sempre imaginamos um processo de vanguarda das transformações sociais. A primeira vítima foi essa aspiração. Um dos principais problemas certamente foi a ausência de democracia, o que se tentou corrigir no final com a perestroika e com a glasnost. Os valores da militância, porém, eu não abandonei. Continuo lutando para que tenhamos sociedades mais justas e igualitárias.

CP: O Ministério da Cultura vai fazer alguma coisa para comemorar a Revolução Russa?

Roberto Freire: Estamos estudando. O Ministério da Cultura está agora cuidando de um bicentenário, o da Revolução Pernambucana de 1817. Vamos fazer um exposição na Biblioteca Nacional em abril. É uma data marcante. Instalou-se uma república no Estado de Pernambuco com base em algumas das ideias do iluminismo europeu e da revolução americana. Tentou-se a libertação do império português.

CP: O senhor fica magoado quando dizem que é um comunista num governo neoliberal?

Roberto Freire: Como comunista eu apoiei o governo Itamar Franco depois do impeachment de Collor. É a mesma responsabilidade. Não fiz como o PT que votou pelo impeachment e não apoiou Itamar. Nós tiramos a Dilma. Então o governo que existe por imposição constitucional é produto da nossa ação.

CP: O fato de muitos ministros de Temer estarem citados na Lava Jato não o incomoda?

Roberto Freire: Incomoda. Estamos num quadro de grande crise política. A causa de toda essa corrupção está nos governos “lulopetistas”. Explodiram o país. O mais novo escândalo é o da carne, processo começado há sete anos. Esperamos que o STF continue atuando e dando continuidade aos procedimentos da Lava Jato. Todos os ministros citados o são por fatos e atos do governo passado. Nenhum do governo atual.

CP: O futuro da Lei Rouanet, que andou criminalizada, está equacionado?

Roberto Freire: Foi algo profundamente equivocado. O desmantelo geral afetou a Lei Rouanet. A operação Boca Livre revelou um escândalo envolvendo esse mecanismo de incentivo à cultura. Enfrentamos os problemas para salvar uma lei fundamental. As dificuldades do governo foram muito mais de gestão, falta de controle e fiscalização que de falha na lei. Os crimes foram praticados por pessoas. O governo anterior não fiscalizou. Temos um passivo de quase 20 mil prestações de contas não analisadas. Adotamos novos mecanismos. Por instrução normativa vamos mudar procedimentos para desconcentrar projetos, em grande volume no sudeste, democratizar recursos, fixando tetos para captação, e acompanhar o andamento e as prestações de conta de cada processo em tempo real.

CP: O senhor visitou em Porto Alegre a Fundação Iberê Camargo, que passa por dificuldades, e veio encontrar o presidente da Fundação Bienal do Mercosul. O MinC vai conseguir ajudá-las?

Roberto Freire: Não temos como ajudar com recursos próprios. A secretaria da cultura da cidade de São Paulo tem um orçamento quase igual ao nosso. Dá para ver nosso limite. Nosso orçamento até cresceu. Mas é muito pequeno. A cultura é vista muitas vezes como um luxo, embora tenha papel importantíssimo na economia.

Estamos discutindo sobre como ajudar a Fundação Iberê Camargo. Vamos ver de que forma o Ministério da Cultura poderia ter um protagonismo maior nessa questão. Já conversamos com o Banco do Brasil na busca de uma parceria para a Iberê. Em Porto Alegre, conversamos com o prefeito e com a secretaria de Cultura do Estado. Vamos investir nas feiras de livros. O Brasil lê pouco.

Teremos com uma política muito voltada para o livro e a leitura. Estamos participando da Jornada Literária de Passo Fundo. Vamos incentivar a Feira Pan-Amazônica em Belém do Pará. Criaremos uma feira no Cariri. Voltamos a apoiar pequenos festivais do audiovisual. A Bienal do Mercosul, por ser um evento de grande porte, exige discussão para saber como a Lei Rouanet poderá ajudar. É certo que os processos serão mais ágeis. Não ficaremos apenas na aprovação e na autorização para a captação.

Por Juremir Machado da Silva 

Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895