A entrevista

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Décio Neuhaus é advogado renomado e especialista em direito esportivo

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Décio Neuhaus é advogado renomado e especialista em direito esportivo. Atua em muitas entidades, entre elas o STJD e o Sindicato dos Atletas Profissionais do RS. Nesta entrevista, ele esclarece a relação entre jogadores e clubes, o tema do momento.
A CLT traz a previsão do pagamento de adicional noturno para a atividade realizada entre 22h e 5h do dia seguinte e também pagamento dos domingos trabalhados. Mas no caso dos atletas profissionais, há o Contrato Especial de Trabalho Desportivo previsto e regulado pela Lei Pelé. Não há um conflito aqui?
A CLT é usada subsidiariamente. O que a lei n<SC120,176> 9.615/98 não regula ou disciplina, usa-se a CLT como forma de dirimir conflitos. A lei 9.615/98 não regula o adicional noturno e portanto se utiliza a CLT. Já em relação ao descanso semanal, a lei 9.615/98 define que deve haver "repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana..." Não existe conflito entre a CLT e a Lei Pelé. A CLT só é usada na falta de previsão na lei 9615/98. Existe um pensamento errôneo, de que, como alguns atletas ganham salário elevados, eles não precisariam descansar. Primeiro, como em qualquer profissão existem profissionais bem renumerados e outros não. O descanso é um direito e é necessário a todos. Além de descanso físico, é um descanso emocional para o empregado ficar com sua família. Portanto, não existe impedimento em jogar nos domingos, mas existe a previsão de que este descanso terá que ser concedido em outro dia. O clube só será cobrado se não conceder.
Como se dá a relação jogador/clube se o horário de trabalho é estabelecido por federações, CBF, TV...
Muitas atividades são regidas pelo interesse do consumidor ou do beneficiário. Se você abre um bar noturno, sabe que terá que pagar adicional noturno, horas reduzidas, etc. Este custo você coloca no preço do teu produto. Os clubes devem ter esta noção e trabalhar com planejamento. 
O futebol corre o risco de não ter mais partidas aos domingos e às quartas à noite?
A declaração do presidente do Corinthians foi inconsequente. Se você não jogar no domingo, o atleta terá descanso neste dia. Agora, se você jogar domingo, basta conceder o descanso em outro dia: IV - repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana. O que deve ser discutido é sim um calendário mais justo. Os clubes podem jogar todos os dias, mas terá que ter plantel para isto. Não pode querer que o atleta não tenha direito ao descanso.
No Brasil, os atletas profissionais são empregados. Gozam de todos os direitos previstos na CLT. Mas a natureza do trabalho não é outra?
Não. A relação é laboral, com algumas especificidades. Exemplo: um piloto de voos internacionais também é regido pela CLT, mas com especificidades. Para se ter o contrato de trabalho, é necessário que estejam quatro elementos: remuneração, pessoalidade, habitualidade e subordinação. No contrato do atleta, estão presentes estes requisitos que configuram uma relação empregatícia. 
Parece haver uma questão ética aqui. Jogadores que recebem milhões por ano acionando clubes. Seria ilegal, mas imoral?
Falo por minha experiência. Todas as ações que promovemos, sejam de atletas de altos salários, como os mais modestos, sempre houve um motivo comum – a falta de pagamento dos salários, parcelas rescisórias. Legal e moral é cumprir com o contrato.
Há outra forma de se celebrar um contrato entre jogador e clube sem risco de acabar na Justiça, pois envolve concentração, viagem, hora extra, jogos noturnos, imagem...?
Sim. Planejamento. Pegando o nosso Estado como exemplo, temos vários clubes que dificilmente têm ações judiciais. Por quê? Porque sabem o que podem pagar e não se aventuram. Na dupla Gre-Nal, é sabido que existem dirigentes que gastam mal e dirigentes que recuperam o clube. Os títulos sempre vêm quando o clube está equilibrado. Foi-se o tempo de gastar sem responsabilidade. Devem contratar de acordo com suas possibilidades.
Sobre o adicional noturno, ele representa no máximo em torno de 0,72% do salário mensal do atleta. Sabendo deste simples percentual, basta o clube ao acertar o valor que pretende pagar de salário, diminuir este percentual e pagar corretamente. Se souber fazer o contracheque, pagar, nunca terá problema na Justiça. Não conheço nenhum caso de atleta que entre na Justiça para cobrar somente o adicional noturno. Entram cobrando salários, e alguns advogados não explicam o desgaste que o autor poderá ter em determinados pedidos.

 


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