A pior forma de solidão

A pior forma de solidão

"Queria que entendesses que não consigo mais viver. Eu vou morrer...Não posso mais"

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Nelson Rodrigues abre uma das suas geniais crônicas com uma afirmação definitiva:
"O ser humano é o único que se falsifica. Um tigre há de ser tigre eternamente.
Um leão há de preservar, até morrer, o seu nobilíssimo rugido.
E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece..." 
Durante algum tempo persegui fatos que nos tornam verdadeiros, nos exponham até as vísceras, que invadam nossas entranhas, remexam até provocar a escancarada exposição dos sentimentos mais arraigados, presos com raízes firmes e fortes no nosso âmago.
Ouvindo uma narrativa do psiquiatra José Facundo fui levado a  uma constatação: a solidão é como um purgante do coração e da alma, faz expelir verdades doloridas, desnudando o mais íntimo de um indivíduo.
Padeço de Síndrome do Pânico.
A solidão é o mais forte desencadeador deste tormento.
Mesmo breve, fugaz, me aterroriza.
Porém esta não é a pior forma de solidão, porque a ausência dos meus amados é quase sempre furtiva e há a certeza consolativa do retorno.
Descobri, na narrativa do Facundo, que a solidão tem níveis, escalas.
E que a pior forma de solidão é a perda eterna.
Tomado por um misto de espanto e tormento tive a convicção mais absoluta de que não viveria sem a minha Judith.
Eis aqui a confissão.
Não a minha, mas a confissão que chocou Facundo, psiquiatra renomado e experiente, acostumado a ouvir relatos de sofrimentos pungentes. 
"Não quero que fiques chateado.
Queria que entendesses que não consigo mais viver.
Eu vou morrer...
Não posso mais.
Na última vez que a vi no hospital pediram-me que encerrasse a visita.
Quando me despedi, ela sacudia a cabeça a pedido de que eu não fosse e tinha um olhar vazio e desesperado.
Foi a primeira vez na vida que me retirou o seu olhar.
Eu não consigo viver assim.
Ela morreu no dia seguinte.
Agora eu não tenho mais isso, não consigo mais."
O relato, que apavora e que nos coloca diante da nossa realidade, dos mortais, é o ponto de partida para o livro Partidas, que terá lançamento nesta quinta-feira, a partir das 19h30min, no Barranquinho (Avenida Protásio Alves, 1538), assinado ainda pela poeta e publicitária Claudia Schroeder e por este colunista. 
O local não poderia ter mais indicado. Há quase 50 anos conheci o Barranco e me tornei frequentador. Os donos, os queridos Elson Furini e Chico Tasca, cabem num trecho de uma música de Julio Iglesias:
"E cada amigo é a família que escolhemos entre estranhos".


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