As torcidas organizadas

As torcidas organizadas

"Hoje, as Organizadas são entidades reconhecidas pelo Estatuto do Torcedor..."

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Nesta semana publiquei o seguinte.
"Manchete do site do Ministério Público em fevereiro de 2016: 
“Torcidas organizadas Guarda Popular e Nação Independente estão suspensas por 90 dias”. 
Dois anos depois a mesma Guarda Popular era suspensa novamente por 90 dias. Está evidente que este paliativo não é mais suficiente.
Do promotor Júlio César de Melo justificando a suspensão em 2016: 
“A Guarda já tinha outras duas medidas cautelares por outras razões. O histórico pesou. As medidas foram adotadas pela reiterada violência das torcidas. Por 90 dias, elas não poderão funcionar enquanto torcidas...” 
Mudou?
Transcrevo o e-mail recebido.

"Bom dia Senhor Hilton, tudo bem?
Aqui é Marco Aurélio Xavier, Juiz de Direito, com atuação no Juizado do Torcedor, em Porto Alegre.
Tenho acompanhado sua coluna e vejo críticas às medidas proibitivas de funcionamento das Organizadas, aplicadas pelo Juizado do Torcedor.
Longe de mim querer censurar qualquer opinião, mas tenho presente que é importante o senhor amadurecer bem a sua.
Por esta razão, estou mantendo este contato, para lhe dar algumas informações, referentes a essas medidas, que são muito importantes para a pacificação dos estádios!
Hoje, as Organizadas são entidades reconhecidas pelo Estatuto do Torcedor, que podem funcionar com entidades registradas, ou como associações "de fato", reunindo torcedores que se identifiquem pela forma de torcer, com instrumentos e indumentárias próprias.
A mesma lei que prevê a possibilidade de funcionamento, também prevê punições para essas Organizadas, porém não são de natureza  criminal, mas sim sanções de natureza cível, que possibilitam o proibir o funcionamento dessas agremiações, chegando, até mesmo, à possibilidade de as desconstituir.
Isso se dá através 'ações civis públicas', movidas pelo Ministério Público, ou pela Defensoria Pública.
Hoje, para os grupos de Torcidas Organizadas, não temos medidas criminais específicas, o que é preocupante, na medida em que a violência mais intensa, historicamente, sempre germinou nestes espaços de torcedores, principalmente a violência de grupos, de efeitos muito deletérios para os estádios.
A partir disso, nós estabelecemos, há cerca de seis anos, no Juizado do Torcedor, um protocolo, pelo qual se buscou coibir a criminalidade de grupos, com gênese nas torcidas organizadas, ou aquelas perpetradas por seus integrantes, que buscavam a guarida da impunidade no anonimato dos grupos.
Foi aí que passamos a utilizar as medidas cautelares de proibição de funcionamento das Organizadas, no espaço da tutela criminal, uma construção jurídica de cuja finalidade é muito simples: vincular o indivíduo ao grupo e responsabilizar o grupo para fiscalizar esse indivíduo.
Como é que as coisas funcionam?
Toda vez que nós temos atos de violência praticados por integrantes de torcidas organizadas, a identificação desses membros, nos atos de violência, gera uma proibição de funcionamento da torcida organizada, até que se apurem as responsabilidades individuais.
Por essa proibição, a organizada não pode se utilizar de nenhum benefício proporcionado pelo clube, fica proibido de usar indumentárias identificativa, tampouco instrumentos de percussão, que fazem parte da cultura das organizadas brasileiras.
A proibição é de funcionamento do grupo, mas não impede o acesso individualizado, mas em espaços diversos daqueles reservados ás agremiações organizadas, o que somente poderá ocorrer como torcedor avulso, e sem qualquer subsídio, do clube.
A lógica dessas medidas é bem simples: onde há violência e criminalidade, embarga-se a festa e o funcionamento da torcida organizada.
Qual é a duração dessa medida? Em regra, 90 dias, ou até que se apure, individualmente, a responsabilidade criminal pelos delitos cometidos.
Esta apuração, importante que se diga, a partir deste protocolo, revelou-se extremamente pedagógica.
Passou-se a contar com o apoio dos representantes das Torcidas Organizadas, que se emparceiraram com os órgãos públicos e com os clubes, na busca de identificar os eventuais criminosos, que estão praticando crimes e manchando a  respeitabilidade da Torcida Organizada.
Isso teve uma importância muito grande para os estádios, porque mudou a ética da liderança das organizadas, que, se antes davam guarida aos criminosos, passaram a ser colaboradoras no processo de persecução criminal.
Então, quero lhe dizer que isso teve um efeito pedagógico muito importante!
Neste ano, por exemplo, para que o senhor tenha uma ideia, nós não tínhamos nenhuma torcida organizada punida. As primeiras punições, no ano, foram agora em outubro, por dois episódios bastante pontuais, que envolveram uma torcida do Grêmio e outro fato envolvendo outra do Internacional.
Essa cifra revelou-se uma vitória, principalmente se comparada com a realidade encontrada ao início do trabalho nos estádios.
Tivemos uma diminuição sensível nas ocorrências violentas, não temos mais grupos em rivalidades viscerais, o que se revelou fundamental para a queda das ocorrências nos estádios de Porto Alegre.
Isso é o resultado de um trabalho contínuo, para conscientizar esses torcedores e, também, responsabilizando torcedores faltosos e seus  grupos, quando isto se mostra necessário.
Percebe-se, neste cenário, que, diante de uma legislação que impõe uma série de restrições, conseguimos construir um sistema de controle pedagógico para os grupos, com o objetivo de coibir as rivalidades, entre torcidas, e fazer com que o grupo passe a fiscalizar os seus integrantes. Isso sem falar nos ganhos que tivemos no processo de apuração de responsabilidade criminal, a partir da participação das próprias organizadas.

Assim, tenho que as medidas aplicadas não se revelam paliativas, senão que se sagraram importantes medidas, voltadas para o processo de humanização nos estádios.
Era isto. Grande abraço e felicidades.

 


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