Ibsen e Mandetta

Ibsen e Mandetta

A saúde repete o futebol. Com uma diferença: Mandetta resiste aos dois, a Bolsonaro e aos Aspones.

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Lembro dos fatos e do personagem principal, Ibsen Pinheiro. Lá se vão três décadas, um pouco mais, um pouco menos. Ele ocupava o cargo de vice de futebol do Inter. Naquele tempo vice não era um cargo quase vitalício, como hoje. Também não havia CEO, executivos de futebol e acessórios estatísticos que informam chutes, passes, dribles, lançamentos, faltas, cartões, tudo transformado em gráficos, tabelas e tendências. Ou o dirigente entendia do riscado ou estava condenado. 
O bla-bla blá das coletivas tinha que ser convincente. Bastavam alguns maus resultados e ele dançava junto com o técnico e toda a sua comissão. Lembo que o time não engrenava, mas Ibsen seguia firme feito uma rocha. Para os menos avisados, os que não conhecem a história do Inter, digo que Ibsen tinha o estofo de um presidente. Havia integrado um seleto grupo chamado de Mandarins, protagonistas em um momento de domínio colorado no cenário esportivo nacional. Tinha uma inteligência privilegiada e um dom oratório inquestionáveis.
 Numa manhã qualquer toca o telefone eu atendo. Era o Ibsen comunicando que pela tarde entregaria o cargo. Queria me dar a notícia em primeira mão. Disse que não estava sendo pressionado pelo presidente. Seu problema era com os aspones. Aspones era um jargão esportivo-jornalístico que significava Assessores de Porcaria Nenhuma, dirigentes do baixo escalão, periféricos, puxa-sacos de plantão que costumavam frequentar a sala presidencial e despejar todo seu veneno contra Ibsen. Se há uma verdade, é esta: entre os ciumentos está a nata dos maledicentes. 
Naquela época ouvi pela primeira vez o ditado "nunca indique para o cargo alguém que você não pode demitir ". Não cabia da saída de Ibsen. Minha intuição dizia que não havia a intenção de tirá-lo do cargo. Ele saiu para evitar mais a aborrecimentos para o presidente. Entregou sua cabeça numa bandeja para os aspones.
Este fato tem uma correspondência nos dias atuais, mas na saúde. Quando assumiu, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta não cabia na frase "nunca indique para o cargo alguém que você não pode demitir ". O presidente Jair Bolsonaro poderia afastá-lo quando bem entendesse. No máximo arrumaria uma bronca com os aliados mais próximos do ministro. Após o advento da pandemia do coronavírus Mandetta passou caber na frase, se eu modificá-la: nunca indique para o cargo alguém competente o suficiente para ofuscá-lo. O Brasil está com o ministro. Os Aspones, com o presidente. A saúde repete o futebol. Com uma diferença: Mandetta resiste aos dois, a Bolsonaro e aos Aspones. 


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