O futebol num Brasil chumbado à miséria

O futebol num Brasil chumbado à miséria

Meu assunto é como se varre dinheiro para o ralo em rescisões, juros bancários, infladas comissões para empresários...

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Não vai muito, o comentarista Paulo Vinícius Coelho rasgou uma nota de R$ 20. No ar. Escancarava assim toda a sua indignação com o esbanjamento dos clubes de futebol. No caso, o alvo era o Flamengo.
"Gastar R$ 22 milhões em rescisões de contrato de quatro técnicos em 18 meses... deixa eu ver se eu tenho uma nota de R$ 20 Tenho! É fazer isso aqui!". E partiu a nota. Ato cometido, pediu desculpas. O simbologismo do gesto foi perfeito.
Não faltaram matérias questionando se ele havia cometido um crime ao rasgar dinheiro. Nunca li uma linha questionando os clubes, que rasgam dinheiro feitos máquinas de picotar papel. 
Vivemos num Brasil chumbado à miséria. São 33 milhões de pessoas passando fome. Há açougues vendendo osso. Doze milhões de desempregados erguem o pires todos os dias torcendo para que pingue uma moedinha. Não estou aqui tratando da afrontosa abundância salarial que transformou pernas de paus em magnatas tipo Onassis. 
Meu assunto é como se varre dinheiro para o ralo em rescisões, juros bancários, infladas comissões para empresários... Dinheiro da instituição, que deveria ser zelado em dobro porque alheio.
Vamos a um exemplo. Daniel Alves receberá 60 parcelas de mais de R$ 400 mil. É o ultrajante preço da rescisão paga pelo São Paulo. A cada 30 dias cairá na conta do jogador o equivalente a 30 anos de trabalho de um assalariado.
Com raríssimas exceções, o Brasil dos grandes clubes de futebol contrasta vergonhosamente com o Brasil terceiro-mundista.
Recentemente o advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro publicou artigo no site Migalhas sob o título “a tirania do cartola de bem e a formação do clube-zumbi”. Trechos.
“O clube-zumbi, que se identifica, com facilidade, pela sua situação patrimonial e financeira deteriorada pelos anos de cartolismo, inclusive de cartolas-folclóricos, se faz representar, com alguma frequência nos tempos atuais, por gente que aposta num discurso empresarial ético-moralizante, para enfrentamento de uma crise que, como ocorre em Walking Dead, somente se resolverá de modo sistêmico e organizado... Mas o clube-zumbi, que o Estado ajuda a preservar por diversos motivos e diversas vias (isenções, imunidades, parcelamentos etc.), ao invés de buscar uma solução estrutural, ainda insiste em fabricar, com base nas glórias do passado, soluções milagrosas, empacotadas por cartolas "de bem", quando não são eles próprios - os cartolas - a solução...”
Nesta semana o Corinthians anunciou a contratação, por empréstimo, de Yuri Alberto. Salário: R$ 1,2 milhão. Um escárnio. O clube paulista deve quase R$ 1 bilhão. É salvo por isenções, imunidades e parcelamentos. 
Que país é esse? Seguramente, o Brasil do futebol não é o meu nem o seu. É de outro povo.

 


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