A alta cultura do governo

A alta cultura do governo

Equipe de Bolsonaro maltrata a língua

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 O ministro da Educação citou o escritor Kafta. Não confundir com Kafka. Deve ser uma metamorfose. O homem deve ser leitor também de Balzat e Flauberk. Eu adoro os livros de Michel Houellebect. Jair Bolsonaro usa uma linguagem própria. Ao defender o seu guru – aquele que não se cansa de qualificar o uso da língua pátria ao se referir a militares de alta patente, termo que parece confundir com vaso sanitário –, disse que Olavo de Carvalho rapidamente se tornou um fã para muita gente. Bacana. João Gilberto é meu fã. Eu tenho muitos fãs: Fitzgerald, Hemingway, Mandela. Antes, eles eram meus ídolos. Mudou. Estou aprendendo a nova língua.

      O novo governo exige um glossário. Bolsonaro já falou em dejeitos. Especulou-se que pensava em rejeitos. Não se teve certeza. Sérgio Moro popularizou o termo conje. Não se sabe se o ex-juiz sofre influência das redes sociais e economiza sílabas para comunicar mais e melhor. Os plurais também chamam a atenção neste novo regime. Cidadões tornou-se corriqueiro. O verbo incitar também sofreu uma metamorfose kaftiana, nos labirintos do Ministério da Educação, e virou insitar. Antes disso, o presidente da República contribuiu para a identificação de uma nova síndrome: a síndrome de trown. Foi prontamente corrigido pelo general Heleno. Ficou justificada a presença de tantos militares no governo. Eles falam a língua nacional.

      Na lista de expressões inovadoras contam também os inúmero complexos, indentificados e o que parece ser um nome próprio, um tal de Keirós. Seria o Queiroz, o capanga de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro? Por falar nisso, onde anda o Queiroz? Uma passagem literária, digna de um Joycet, continua exigindo atenção dos especialistas: “O de trás encaixa no da frente e o de trás do de trás encaixa em quem está na frente e atrás do da frente”. Nem cabe lembrar um episódio do ano passado no qual o presidente eleito, ao ouvir elogios de israelenses a Osvaldo Aranha, teria perguntado a um diplomata: "Não é o caso de convidar esse Oswaldo para um encontro com a comitiva?" Uau!

      O guru do bolsonarismo usa termos mais coloquiais e deliciosos. Classificou o ministro Santos Cruz, general do Exército, de “bosta engomada”. Normalmente não se usaria aqui neste espaço lido por famílias uma terminologia tão ousada. Esta coluna, porém, para ser fiel ao vocabulário dos novos tempos, precisa ser flexível. Bolsonaro ajuda a falar inglês. Irrigou o país com a expressão Golden shower. Há também contribuições de caráter histórico. Nazismo de esquerda é a principal. Bolsonaro inovou igualmente ao chamar a monarca inglesa de rainha e não de majestade. Por que não? Afinal, quem é a rainha nunca perde a majestade.

      Nonada, como diria Guimarães Rosa – salvo se o nome do autor de Grande sertão: veredas sofreu alguma metamorfose. Tiros que estamos ouvindo são apenas os festejos dos colecionadores de armas. Ou as execuções no Rio de Janeiro que já fazem do governo de Wilson Witzel um recordista denunciado à ONU. Essa é outra conversa. Não é papo de conje.

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Em tempos de ataque à pesquisa, O que pesquisar quer dizer?

     

 

 


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