A criação vem do improviso

A criação vem do improviso

Um caso de inteligência na contramão

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Lei do conhecimento: quando alguém sabe muito sobre alguma coisa, na contramão do senso comum, será chamado de ignorante. Uma teoria da comunicação chamada de “espiral do silêncio” ensina que para não sofrer exclusão as pessoas tendem a silenciar diante das opiniões dominantes. Marylin vos Savant, considerada a pessoa de maior QI aferido, 228, foi atacada por meio mundo, especialmente por matemáticos, quando comprou uma briga espetacular. Num show de auditório, o apresentador propõe um jogo: há três portas. Atrás de duas delas, cabras. Atrás de uma, uma Ferrari.

      O jogador faz a sua aposta. O apresentador, que sabe o que está atrás de cada porta, abre uma delas e mostra uma cabra. Ato contínuo, pergunta se o apostador, tendo então apenas duas portas, quer mudar a sua escolha. Na sua coluna de jornal, Marylin cravou: seria do interesse do apostador alterar a sua escolha. Leonard Mlodinow, em “O andar do bêbado, como o acaso determina nossas vidas”, descreve os ataques que Marylin sofreu: “Como era possível que uma pessoa em quem confiaram numa gama tão ampla de assuntos se confundisse com uma pergunta tão simples? Seu equívoco seria um símbolo da deplorável ignorância do povo americano? Quase mil PhDs escreveram cartas; muitos deles eram professores de matemática”. Um deles, da Universidade George Mason, foi imperativo:

      “Como matemático profissional, estou muito preocupado com a falta de conhecimentos matemáticos do público em geral. Por favor, ajude a melhorar essa situação confessando o seu erro e sendo mais cuidadosa no futuro”. Para ele, como para os outros, havia 50% de possibilidade para cada porta. O padrão carta indignada foi seguido à risca: “Quantos matemáticos enfurecidos são necessários para que a senhora mude de ideia? Do Instituto de Pesquisa do Exército dos Estados Unidos saiu a crítica com a embalagem mais comum e eficaz: “Se todos esses PhDs estiverem errados, o país está passando por graves problemas”. Pediram a cabeça da colunista. Marylin perseverou. O apostador teria mais chances de ganhar se mudasse. Simulações provaram aos matemáticos incrédulos que ela estava certa.

      A resposta tem a ver com algo chamado de “espaço amostral” e com uma lei: “A probabilidade de um evento depende do número de maneiras pelas quais pode ocorrer”. Uma moeda jogada para o ar duas vezes tem qual probabilidade de dar duas caras? O leigo responde: zero cara, uma cara ou duas. E diz, como D’Alabembert, 1/3. Erra. O Espaço amostral correto é: cara-cara; cara-coroa; coroa-cara; coroa-coroa. Resultado: 25% para duas caras. Quem quiser detalhes, leia o desconcertante livro de Mlodinow.

      No chute, a chance de acertar era de 1/3. A de errar, 2/3. O apresentador interferiu no processo: “A menos que tenhamos a capacidade de entortar colheres de prata com nossas ondas cerebrais, a chance de que estejamos no caso do chute errado é duas vezes maior que a do chute certo; portanto, é mais sábio mudarmos a escolha. As estatísticas feitas a partir do programa de televisão demonstraram esse fato: houve duas vezes mais vencedores entre as pessoas que (...) mudaram sua escolha”. Elementar. A vida criativa exige improviso. E convicção.

     No futebol, a arte suprema é o drible, que não pode ser treinado.

O drible não é científico. Daí a sua relevância transcental.

Por isso, o ódio devotado a ele pelos neotáticos.

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Na foto, com o colega Jacques Wainberg e o filósofo conservador Roger Scruton falando sobre política e estética, dois territórios da incerteza e do risco.


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