A herança maldita dos líderes farroupilhas

A herança maldita dos líderes farroupilhas

publicidade

Para quem gosta de falar em “valores da época”, mais alguns fragmentos de “História regional da infâmia”



Simón Bolívar começara o seu empenho abolicionista em 1816 e 1817 libertando os negros republicanos. Em 1821, finda a batalha de Carabobo, ele libertou os escravos que possuía na fazenda San Mateo. Com esse tipo de atitude, só poderia se tornar perigoso e produzir, ainda hoje, um gosto amargo na boca dos conservadores. Na época, os proprietários de escravos defendiam seu patrimônio em nome da ordem e do bom senso.

*

A Balaiada teve um líder negro, Cosme, que criou uma escola de alfabetização e assassinou um senhor de escravos depois de obrigá-lo a assinar 200 cartas de alforria. Que maravilha! Num ofício de 1º de setembro de 1840 ao ministro da Marinha, Luiz Alves informava ter infiltrado espias entre os rebeldes para provocar a cizânia e “havê-los em grande mortandade”

*

Em dezembro de 1842, com a lei 242, Rivera decretara, considerando que desde 1814 os nascidos no Uruguai eram livres e desde julho de 1830 não se podia introduzir novos escravos vindos do estrangeiro, que: “Art. 1) Desde la promulgación de la presente resolución no haya esclavos en todo el territorio de la República. Art. 2) El gobierno destinará los varones útiles que han sido esclavos, colonos o pupilos, cualquiera que sea su denominación, al servicio de las armas por el tiempo que crea necesario”. Na prática, os negros militarizados ainda eram escravos do exército uruguaio. A libertação total viria com a desmobilização. Mulheres, crianças e homens inadequados para a guerra ficavam sob a proteção dos antigos senhores. Rivera devia achar que quando a libertação é demais o escravo fica desamparado. No Rio Grande do Sul, quis-se ver na incorporação compulsória ao exército farroupilha da minoria dos negros disponíveis uma abolição completa. O procedimento de Rivera foi o contrário: deu liberdade formal a todos e conservou em armas os varões de que necessitava. Os farrapos mantiveram todos os negros em cativeiro. Fingiram dar liberdade aos de propriedade dos adversários que pegaram em arma. Depois, devolveram-nos aos imperiais.

*

Em 1785, meio século antes do começo da rebelião dos farrapos, o general La Fayette e sua esposa compraram duas fazendas na Guiana Francesa. De imediato, libertaram os quarenta e oito escravos que trabalhavam ali, dando-lhes terra com que começar a prover a própria subistência. O objetivo era mostrar como a emancipação poderia ser realizada com sucesso. As notícias, naquela época, chegavam mesmo devagar no sul do Brasil

*

Ao longo da primeira metade do século XIX, na qual se formaram e atuaram os farroupilhas, Portugal proibiu o tráfico de escravos (1836), o Império Britânico aboliu a escravatura (1834) e mesmo os vizinhos e amigos do Rio Grande, o Uruguai (1842) e Argentina, de forma gradual (1813), de quem tanto os farrapos sofreram influência, foram mais longe no combate ao odioso e prático sistema de ganhar dinheiro com o suor gratuito dos outros. O Brasil manteve-se firme. Os republicanos rio-grandenses nunca libertaram os negros. Estavam em guerra. Precisavam de quem trabalhasse por eles. O projeto de Constituição da República (artigo sexto) considerava cidadãos apenas os “homens livres” nascidos no Rio Grande. O decreto de 20 de fevereiro de 1839 estabelecia o uso do tope da nação nos chapéus dos cidadãos, excetuados os escravos. Finda a revolução, os principais chefes republicanos seguiram a vida como sempre a tinham levado e deixaram escravos para os seus queridos herdeiros, segundo os inventários divulgados pela historiadora Margareth Bakos (in Dacanal, 1985, p. 95): João Antônio da Silveira (1873), 2 em São Gabriel e 26 em Rio Pardo; Antônio Vicente da Fontoura (1861), 19; José Gomes de Vasconcelos Jardim, um dos presidentes da República Rio-Grandense (1854), 47; Bento Gonçalves da Silva (1847), 53.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895