A impossibilidade da escolha do preconceito

A impossibilidade da escolha do preconceito

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Há muito sofisma no ar. Não existe a possibilidade legítima de se escolher o preconceito. Não se trata de questão de livre arbítrio ou de gosto pessoal, de cultura ou de tradição. Nenhuma tradição pode defender legitimamente, por exemplo, o racismo.

Ninguém tem direito de não gostar de negros.

Ninguém tem o direito de impedir a entrada de negros em qualquer lugar.

Até pouco tempo, no entanto, isso acontecia em muitos lugares, inclusive em clubes tradicionais e tradicionalistas de nossas cidades. Eu vi. Eu estive lá. Eu acompanhei. Passei a infância e a adolescência vendo isso acontecer.

Se o juiz de uma cidade pede emprestado um local para organizar um casamento coletivo e é atendido, o dono do local não tem o direito de estabelecer restrições que contrariem a lei ou se baseiem em preconceitos raciais, religiosos, sexuais, etc.

O dono do salão não pode dizer ao juiz: "Empresto o salão desde que não tenha casamento de negro".

Alguém defenderia o contrário atualmente em nome de uma tradição? Não.

Ninguém tem o direito de não gostar de negros.

Ninguém tem o direito de não gostar de homossexuais.

Eu posso organizar um clube que só aceite comedores de sorvete de morango.

Isso não é socialmente sentido como discriminatório.

Mas legalmente não se sustentaria por muito tempo.

Não posso, porém, organizar um clube que não aceite judeus, negros, homossexuais ou índios.

Nenhuma tradição pode assentar-se na defesa de uma discriminação socialmente reconhecida.

Nenhum cidadão tem o direito de fazer restrição discriminatória ao cumprimento da lei.

O máximo que um dono de CTG pode fazer é não emprestar o seu galpão ou salão.

E ainda assim praticaria preconceito velado.

Não existe desrespeito à defesa do preconceito como elemento de uma tradição.

Existe combate ao preconceito que se afirma como valor tradicional.

Não há provocação em realizar, num casamento coletivo, casamento gay num CTG porque o casamento gay está previsto em lei e impedi-lo de acontecer seria desrespeitar a lei em nome do preconceito e da discriminação estabelecendo um limite ilegal.

O resto é conversa preconceituosa em nome de um novo e ardiloso relativismo.

É a intolerância tentando manipular astuciosamente a tolerância.

A tolerância não pode ser usada em defesa do direito ao preconceito.

Não pode existir tolerância com a intolerância.

Fora disso há confusão mental, erro de raciocínio ou tentativa de embrulhar os imaginários.

O casamento homoafetivo é tão legítimo quanto o casamento de heterossexuais. Não se trata de tolerar, admitir ou fazer concessões aos homossexuais, mas de reconhecer que a união deles é tão legítima quanto a dos heterossexuais. Ver um casamento gay num CTG como provocação é ainda uma atualização do preconceito, uma maneira de legitimar a discriminação como uma possibilidade ou um direito, como algo que fere sensibilidades e deveria ser tratado com cautela.

O preconceito não é uma escolha individual.

É um mal a ser extirpado.

Ainda bem que existem tradicionalistas modernos, como Xepa, o patrão do CTG Sentinelas do Planalto, de Santana do Livramento, capazes de superar o obscurantismo dominante, e juízas com coragem e clareza de raciocínio.

Ousemos saber!

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