A incrível história de Claudina Vidal

A incrível história de Claudina Vidal

Uruguaia jogou de centroavante em time masculino

publicidade

As mulheres brasileiras estão brilhando na Copa do Mundo da França. É um novo tempo. Finalmente os olhares e câmeras se voltam para o futebol feminino. As más línguas dizem que é somente a percepção de um bom negócio em vista. Não importa. Tudo é negócio. O que se vê em campo é esporte de qualidade e espetáculo: drible, talento, ousadia. Os rapazes deveriam observar o comportamento aguerrido e apaixonado de Marta e de suas companheiras. Talvez se deva dizer a cada um deles muito seriamente: jogue como uma garota.

Estou lendo “Grêmio por dentro, bastidores e grupos organizados”, do alegretense Davi Lima de Oliveira. Não tenho preconceito com literatura tricolor. Até já torci para o Grêmio. Na época, queria mudar tudo. Sou pós-moderno. Não tenho identidade. Só identificações passageiras, fluidas, líquidas, inconstantes, livres. Ele conta rapidamente, num breve contrabando, a história de Claudina Vidal, uruguaia que jogava de atacante num time masculino. Em 1972, atuou num amistoso em Alegrete defendendo as cores do Paysandú.

      A moça chamou tanto a atenção que ganhou destaque na mídia. Um site citado por Oliveira dá mais detalhes do furor provocado por Claudina: “O jornalista Roberto Appel não só entrevistou Claudina como se colocou em campo para marcá-la, com o intuito de analisar mais de perto seu desempenho futebolístico. A façanha não durou mais do que quinze minutos (Appel estava completamente fora de forma), mas rendeu um histórico conteúdo jornalístico, o único que mostra a atleta em ação e um dos poucos em língua portuguesa sobre a camisa 9”.

      O machismo da época não perdoou Claudina. Diziam que era virgem ou “invicta”. O site Medium descreve a jogadora com base na reportagem do jornalista gaúcho citado: “Entre as curiosidades apontada por Appel na matéria, o fato de Claudina ser extremamente tímida, chegar e deixar o estádio sempre uniformizada; usar por debaixo do uniforme um justo maiô preto; não usar maquiagem ou perfume; só jogar pelo lado direito do campo, chegando pouco à área adversária; se deslocar em linha reta, optando por um passe muito preciso ao drible; dominar as bolas no peito com extrema perfeição; ter um chute considerado fraco; evitar o corpo-a-corpo; não possuir muito jogo de cintura e ter um preparo físico impressionante, correndo os noventa minutos sem parar”.

      Claudina Vidal foi uma Joana D’Arc, uma Maria Quitéria, uma pioneira. Na perspectiva masculina, teria sido apenas um lance de marketing de um dirigente esperto. Ela só queria jogar. Há registros de mulheres no futebol desde o século XIX. O grotesco foi o Brasil ter proibido o futebol feminino até 1979 em função de um decreto baixado por Getúlio Vargas em 1941: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”. Fico imaginando a alegria e a coragem de Claudina. Finalmente o futebol das mulheres deixa de ser visto como folclórico. Joguem como as gurias.

Na foto de Leonid Streliav, Claudina marcada por Appel.

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895