A Lava Jato e a morte da prova

A Lava Jato e a morte da prova

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 Agripa, o cético, queria a prova da prova. Borges, o gênio que ficou cego, citava Agripa. Jean-François Lyotard, o pós-moderno, perguntava: o que prova que uma prova é uma boa prova? Já falei disso mil vezes. O tema volta. Roberto Romano, filósofo e professor de Ética da Unicamp, afirmou sobre a denúncia do MPF: "Anteciparam que o Lula é o grande responsável, mas falaram por horas e a prova cabal não apareceu".

O procurador Roberson Pozzobom acabou com Agripa, Borges, Lyotard, Romano e Lula de uma tacada só e sem o menor pudor probatório: Precisamos dizer desde já que, em se tratando da lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de manter as aparências de licitude, não teremos aqui provas cabais de que Lula é o efetivo proprietário no papel do apartamento, pois justamente o fato de ele não figurar como proprietário do tríplex, da cobertura em Guarujá é uma forma de ocultação, dissimulação da verdadeira propriedade". A prova da prova seria a impossibilidade de ter prova.

O procurador Deltan Dallagnol ecoou: “Tudo isso nos leva a crer, para além de qualquer dúvida razoável, que Lula era o maestro dessa grande orquestra concatenada para saquear cofres públicos”. O procurador “crê”. Ele mais convicções do que provas. Agripa perguntaria: o que é uma dúvida razoável? Lyotard questionaria: é lícito condenar por convicções? A retórica MP é gongórica, barroca, espetacular, saturada, cheia de adjetivos e superlativos. Condena por rótulos. O powerpoint do MP colocou Lula no papel de centro gravitacional do universo. Tem lógica. Mas é verdade? Trata-se da retomada de uma ideia de Aristóteles: todo efeito tem uma causa; todo movimento precisa de um motor; é necessário um motor primeiro que tudo mova. O motor imóvel é o chefe.

Lula seria o motor primeiro.

Faz sentido. Tem lógica. Hiperlógica? A lógica toma o lugar da prova? Uma peça acusatória deveria ser descritiva. A estética MP é sempre o oposto: devastadora. O problema é devastar com indícios apenas lógicos e depoimentos interessados. O MP deu um salto lógico: por Lula ser o chefe, só pode ser o chefe de tudo, pois a lógica exige um chefe total. Logo, todos os crimes devem lhe ser imputados. O chefe deve necessariamente saber de tudo e nada pode acontecer sem Ele. A teoria (do domínio do fato) parte de uma boa hipótese. O manual de metodologia manda provar ou refutar. O que é provar? O MP parece dizer que a necessidade de prova favorece o acusado. Nesse sentido, propõe que se troque a prova clássica pela prova lógica.

Lula defendeu-se com um discurso político e emocional”. É muito difícil acreditar na inocência do ex-presidente. Parece mais difícil ainda provar sua culpabilidade. Dilma e Eduardo Cunha foram cassados por crimes menores. Renan Calheiros escapa por só cometer os maiores. No caso de Lula as dimensões se confundiriam. Propinocracia lulista. Pirotecnica acusatória. Há quem jure que o MP acenou para a prova e disse com um sorrisinho maroto no canto dos lábios: “Tchau, querida”.  

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