Aplicativos: do Uber ao Ubre

Aplicativos: do Uber ao Ubre

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 Nada tenho contra o Uber.

Nem contra os táxis.

Não me importo de pegar uma contramão.

Mas teria tudo a favor do Ubre.

Era como o pessoal se referia às tetas das vacas lá em Palomas. Defendo um aplicativo gaudério e nacionalista. Nada de dar 25% dos ganhos para uma multinacional. Poder-se-á - com a devida licença do homem do atalho para uso dessa mesóclise – fazer tudo com o Ubre. Pode ser uma maneira de aumentar os ganhos dos atuais “parceiros” do aplicativo norte-americano. O Uber é muito mais do que uma ferramenta para pegar “corona” ou chamar táxi, que não é táxi, mas faz serviço de táxi. O Uber é um modelo total de vida do capitalismo pós-trabalho formal.

No capitalismo do trabalho formal, o trabalhador era assalariado. O empregador fornecia os meios de produção. A legislação regulava a relação entre os dois e garantia ao empregado certa proteção: férias, repouso remunerado, tempo diário de trabalho, etc. Na era dos aplicativos, dos quais o Uber é o principal símbolo, o trabalhador passa a ser empresário (parceiro). É ele que entra com os meios de produção (carro). Não há vínculo formal. Se a ferramenta estraga, cabe ao seu dono mandar consertá-la. Como ele não é empregado, desaparece a necessidade de legislação trabalhista. Todos os riscos são por conta do “parceiro”. O capital só tem ganhos.

Em situação de desemprego, o aplicativo (capital) conta com um enorme exército industrial de reserva. O consumidor ganha, pois paga menos. Quanto menos ganha o “parceiro”, mais ganha o cliente. Os entusiastas asseguram que o mercado regulará os interesses de ambos. Ufa! Não se voltará ao trabalho escravo. O capital, porém, esfrega as mãos: livrou-se de todos os encargos. Teremos aplicativos para tudo. Contra o cartel dos táxis, a revolução dos aplicativos. No futuro próximo, dir-se-á, conforme a expressão de um famoso sociólogo, “adeus ao proletariado”. Seremos, enfim, todos patrões. Aguardo. Enquanto isso, sigo a minha rotina.

Por enquanto, milito pelo Ubre, que tiraria a teta do Uber e deixaria esse leitinho aqui. Qualquer ressalva aos aplicativos desencadeia uma onda de ódio: comunista, anacrônico, velho, analfabeto digital, vai pra Cuba, safado e outros rótulos altamente racionais. O consumidor é um egoísta que só tem um desejo: pagar o menos possível mesmo que isso arruíne quem lhe presta o serviço. O pensamento mágico liberal diz que isso é impossível, pois a natureza do sistema impede o colapso acertando os ponteiros da oferta e da procura com o preço justo. Eu ando preocupado com países como a Suécia e a Dinamarca, onde se paga imposto consistente e se recebe serviço adequado. A Dinamarca está com um problemão: pleno emprego. Está faltando proletariado.

O sistema Uber tem outro nome no Brasil: pejotização. Ou terceirização. É o que o governo Temer pretende aprovar de vez. Na perspectiva mais extrema dessa ideia, em lugar de ser empregado de alguém, cada um será uma empresa prestando seu serviço. Não será preciso nem impor o negociado sobre o legislado. Cenários de terror? Exageros? Não tenho provas? Tenho convicções. Só nos resta o Ubre.   Se tiver problema, use Caladril.

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