Aposentadoria ou mamata parlamentar

Aposentadoria ou mamata parlamentar

Políticos ainda têm aposentadoria especial

publicidade

Deputados federais e senadores continuam tendo aposentadoria especial. Os jornais de hoje noticiam que eles querem flexibilizar as regras de transição previstas para atingi-los na reforma em tramitação na Câmara. Muitos deles enrolam e dizem que não é bem assim. Mas é. Apesar da mudança de regras, que disciplinou um pouco a mamata, o privilégio permanece. Um trabalhador qualquer da iniciativa privada se aposenta, na melhor das hipóteses, pelo teto do INSS depois de 35 anos de labuta. Um deputado pode pendurar a gravata, depois dos mesmos 35 anos de trabalho, se tiver 60 anos de idade, com o salário integral: R$ 33 mil reais.

      O parlamentar entra com 11% do seu salário. O legislativo, com mais 11%. Para cada ano de contribuição o parlamentar tem direito a 1/35 avos do salário integral. Além disso, pode contar para a integralização dos 35 anos exigidos de atividade os anos trabalhados em qualquer emprego e os mandatos de vereador, prefeito ou deputado estadual. Imaginemos um caso caricatural: sujeito que trabalhou a vida inteira ganhando salário mínimo. Aos 56 anos de idade, por um golpe de sorte, elege-se deputado federal. Tem 31 anos de contribuição. Quatro anos depois, aos 60 anos, estará aposentado como deputado com R$ 3.600. Onix Lorenzoni e Rodrigo Maia, grandes defensores da reforma da Previdência, não abrem mão da teta.

      Muita gente renunciou ao benefício para não se mostrar em contradição defendendo a reforma como combate aos privilégios, mas 175 deputados estão firmes. Há gente de vários partidos e ideologias, de petistas e psolistas a adeptos da “nova política” do PSL de Jair Bolsonaro. Os gaúchos do pacote explosivo são: Afonso Hamm e Covatti Filho (PP), Afonso Motta e Pompeu de Mattos (PDT), Carlos Gomes (PRB), Danrlei (PSD), Darcísio Perondi e Marcio Biolchi (MDB), Giovani Cherini (PR), Heitor Schuch (PSB), Henrique Fontana, Marcon, Maria do Rosário e Paulo Pimenta (PT), Maurício Dziedricki (PTB), Nereu Crispin (PSL) e Onix Lorenzoni (DEM). E os senadores Luiz Carlos Heinze (PP) e Paulo Paim (PT).

      Segundo Lúcio Vaz, colunista do jornal Gazeta do Povo, "o deputado Mauricio Dziedricki (PTB-RS) ficou fora da Câmara por um mandato. Retornou neste ano e já conseguiu autorização para averbar seis anos de mandato como vereador em Porto Alegre, entre 2005 e 2011. A operação vai custar R$ 554 mil. O acréscimo na aposentadoria será de R$ 5,8 mil – igual ao teto do INSS". O mesmo colunista afirma que “com quatro mandatos de deputado federal, Pompeo de Mattos (PDT-RS) assegurou, em 4 de abril, o direito de aproveitar 15 anos de mandatos de vereador e prefeito de Santo Augusto (RS), de 1983 a 1990; e de deputado estadual, de 1991 a 1999. Pagando R$ 1,35 milhão, poderá ampliar em R$ 14,4 mil o valor da sua aposentadoria". Ao Esfera Pública, na Rádio Guaíba, Pompeu de Mattos garantiu que não terá aposentadoria especial e que é contra a existência desse dispositivo.

      Não é de graça, mas pode ser um bom investimento fora do alcance dos mortais escorchados a cada dia pelas perdas de todo tipo sem choro nem vela. A reforma da Previdência em curso não atinge os realmente privilegiados. Vai fazer quem ganharia R$ 2.100 passar a ganhar R$ 1.300 ou coisa que o valha. O resto é propaganda.

Todo mundo deve se aposentar pelo INSS e qualquer um pode fazer a sua aposentadoria complementar. Vaz cita dois casos esclarecedores: "Fernando de Fabinho (DEM-BA) teve autorizada, em 7 de março, a averbação de 27 anos de contribuição ao INSS, entre 1975 e 1999”.  Já "o deputado de primeiro mandato Marcelo Nilo (PSD-BA) teve autorizada, em 5 de abril, a averbação onerosa de 28 anos de exercício de mandato na Assembleia Legislativa da Bahia”.

É ou não é especial? Investimento sem risco.

*

Baudelaire, o condenado

 

      Ontem, falei de Charles Baudelaire. Que vida! Perseguido por um padrasto mala, está no enterrado no mesmo túmulo que ele, no cemitério de Montparnasse, em Paris. Obcecado pela mãe, divide a tumba com ela e o cara que a roubou dele.  Baudelaire recebeu uma bela herança, gastou metade em menos de dois anos, foi interditado a pedido da mãe e passou a ter o seu dinheiro administrado por um tutor. Boêmio, consumidor de ópio e absinto, descobriu o amor com a “mulata” Jeanne Duval e o prazer com as prostitutas. Poeta genial, declarou que a arte se encarrega do belo, não da verdade. Escreveu como um Deus. Foi criticado pelos entendidos da época. Disseram que ele não tinha estilo. Atacaram os seus temas.

      Baudelaire fez suas armas nas barricadas de 1848. Queria o cheiro das ruas. Buscava a vida real. Em 1857, publicou as suas “Flores do mal”. Cem poemas. Foi processado e condenado por atentado à moral pública e aos bons costumes. Deveria pagar uma multa de 300 francos. A imperatriz Eugênia mandou reduziu para 50 francos. O editor marchou com outros cem francos. Muita grana na época. A patrulha embirrou com o que chamava de poemas pornográficos. A justiça mandou tirar seis deles da obra, entre os quais “Lesbos”, “Mulheres perdidas” e “Metamorfoses do vampiro”. O poeta deu o troco com outros rotulados de “mais belos ainda”. O grande Victor Hugo, maior celebridade da época, cumprimentou-o pela condenação: “Uma das poucas condecorações que o regime atual pode conceder”. Uma glória.

      O padrasto havia mandado Baudelaire para a índia com a ideia de salvá-lo de si mesmo. Ele retornou possivelmente antes de chegar lá. Foi ajudado pelo mau tempo. Viveu de rendas, abaixo das suas possibilidades reais. Morreu de sífilis, em 1867. Em 1949, a justiça revisou completamente a sentença que o havia estigmatizado. Não era bonito manter condenado um dos maiores poetas de todos os tempos. Os críticos não pediram desculpas. Ninguém se lembra deles. Alguns, eram poetas considerados consagrados. Nas páginas do jornal “Le Figaro”, que continua a destilar o seu conservadorismo, embora já não possa detonar poetas do passado, só do presente, Baudelaire foi chamado de louco. A sua poesia levou pauladas pela “repetição monótona e premeditada das mesmas coisas”. O autor dessa frase, Gustave Bourdin, era genro do dono do jornal. 

      Embora não beba absinto, nem consuma ópio, eu afirmo com grande originalidade: “Baudelaire c’est moi”. Ou será. Qualquer semelhança dessa afirmação com outra, a respeito de uma personagem, deve ser debitada à capacidade de antecipação do autor de “Madame Bovary”. De louco me chamam toda hora. Não pretendo morrer de sífilis. Não é moderno. Baudelaire inventou a modernidade. Ou a nomeou. A vida dele é um estímulo para os malditos. Parece dizer, não desistam, um dia o vento vira. O poeta não conheceu a fama. Mas publicou em vida os seus poemas condenados numa edição belga. Mais louco do que ele, talvez só Rimbaud, que revolucionou a poesia aos 20 anos, largou tudo e foi traficar armas na África. Que tédio.

 

 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895