As correntes do Cabral

As correntes do Cabral

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 Tocarei num assunto delicado. Sei que despertarei o ódio de alguns. Serei chamado possivelmente de imundo defensor dos direitos humanos para bandidos. Sou apenas um reles cidadão cheio de dúvidas. Vi como todo mundo as imagens da transferência do ex-governador Sérgio Cabral do Rio de Janeiro para Curitiba. Está provado que Cabral é um larápio. Ele não merece indulgência. Muitos menos, contrariando a lei, ter regalias na prisão, como vinha acontecendo em solo carioca.

Dito isso, o que justificou as algemas e a corrente nos seus pés?

Lembrou passagens terríveis descritas por escritores como o russo Dostoievski.

Na minha ignorância, só posso compreender algemas e correntes como instrumentos de contenção para evitar tentativas de fuga ou de agressão. O que poderia Cabral contra os seus armados condutores? Nunca entendi também esses fardamentos de policiais estilo selva e máscaras ninjas para operações urbanas à luz do dia e de certa normalidade burocrática. Não seria justamente isso que se chama de espetacularização? Qual é o objetivo?

Dissuadir a prática de crimes pela execração do criminoso? Certo, o bandido não tem valores, não se importa com a sociedade, comete atrocidades e não deve ser objeto de clemência ou de sentimentos piegas dos quais certamente debocha.

A questão é: a lei permite? Qual é o critério? Certas prisões raspam a cabeça do presidiário. Outras, se bem entendi, não. Alguns são conduzidos com as mãos para trás. Outros, sem representar perigo, aparecem com as mãos algemadas. A corrente nos pés de Cabral faz parte do castigo por mau comportamento? Estamos todos saturados da violência e da corrupção. Queremos punição rigorosa. Não aguentamos mais mimimi. Ainda assim cabe perguntar: quais são os procedimentos adequados? Terá sido a corrente nos pés de Cabral um alerta para outros políticos? Um recado? Uma mensagem? Um manifesto nem tão dissimulado? Uma pressão?

É verdade que ando na contramão. Não curto rituais. Para que toga? Para que gravata? Não, o “hábito” não faz o bom juiz. Se gravata significasse decoro o nosso Congresso Nacional seria outro. Eduardo Cunha presidiu o impeachment de Dilma Rousseff de terno e gravata e com crimes suficientes nas costas para 400 anos de prisão. Tenho mania de racionalidade. Sempre pergunto: qual a racionalidade da coisa? Estou com peninha do bandido Sérgio Cabral? Nada disso. Quero critérios racionais e aplicáveis a todos em situações equivalentes.

Entendo argumentos opostos: o cara rouba o que pode e vem um jornalistazinho imbecil reclamar que ele foi mostrado com uma corrente nos pés! Faz sentido. Qual? Só posso entender como uma estratégia simbólica. Por que os vasos sanitários ficam dentro de celas coletivas sem uma mínima separação? Creio que é para sinalizar o fim de uma condição, a do direito à intimidade. Deve ser para dizer: quem se torna bandido, quem faz m..., deve vê escorrer diante der todos. Tudo isso me confunde. Eu achava que a única pena possível era a privação da liberdade.

Talvez precise rever meus conceitos. Direito à vingança?

Até Sérgio Moro achou excessivo e cobrou explicação.

A explicação foi altamente convincente: pela segurança do preso.

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