Biden, presidente civilizador

Biden, presidente civilizador

Discurso da vitória pregou moderação e racionalidade

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      Donald Trump ainda chora e planeja seu golpe: recontar votos, anular cédulas, pedir socorro à Suprema Corte, que ele formou para os seus propósitos, não reconhecer a derrota, não sair da Casa Branca, não passar o poder. Em vão. Joe Biden é o novo presidente dos Estados Unidos. Fim de jogo para o político mais encrenqueiro do mundo. Biden está longe de ser o ideal, mas é uma fresta para a razão. O trumpismo, com a sua ideologia obscurantista, já não terá a maior máquina de poder nas mãos. Um facho de luz se dissemina pelo planeta. Terraplanistas políticos soluçam. O ídolo da extrema direita caiu. O discurso da vitória de Biden prega união, racionalidade, apego à ciência, moderação e bom senso.

      Mas os Estados Unidos precisam modernizar-se, ter urna eletrônica, eleição direta, cada cabeça, um voto, coisas assim, democráticas. Não pode mais dar ao vencedor as batatas e ao perdedor os votos, como já aconteceu e poderia ter acontecido de novo. Trump, que se elegeu em 2016 sem ter sido o mais votado pela população, fez da mentira programa de governo. Nunca um presidente mentiu tanto com tanta rapidez. Era o Django das fake news. Mentia primeiro, perguntava o nome depois. Estimulou ressentidos por toda parte. O que fez? Nada. Foi tudo.

      Favoreceu políticas antiambientalistas, lixou-se para o racismo, jamais condenou as infâmias dos supremacistas brancos, espalhou tiradas machistas, apostou na polarização mais redutora possível, radicalizou, governou como extremista, zombou na ciência no combate ao coronavírus e divertiu-se atacando a imprensa que cometia o crime de desmascará-la a cada mentira. O fanfarrão derrubado pelo voto deixa órfãos em muitos países. No seu rastro, elegeram-se nacionalistas populistas de extrema direita, que tremem agora com a possibilidade de um efeito dominó. Trump fez do preconceito uma filosofia política e da política arma de guerra diária.

      Biden não é comunista. Ainda bem. Os Estados Unidos continuarão capitalistas. A política internacional, porém, tenderá a ser feita com mais diplomacia e menos coice e ódio. Trump recuperou, em determinado momento, a economia americana? Paul Krugman, prêmio Nobel de economia de 2008, garante que sem Donald Trump a recuperação teria sido melhor: “As grandes empresas receberam benefícios fiscais consideráveis, mas em geral usaram o dinheiro assim obtido para pagar dividendos e recomprar ações, e não para investimento. E mesmo o aumento modesto de investimento surgido em 2018 parece ter sido causado pela alta nos preços do petróleo, e não pelo corte de impostos”.

Trump fez o que muitos republicanos esperam de um dos seus: aliviou os mais ricos. Para se manter, precisava de inimigos vulneráveis. Um estadista, ao contrário, pacifica, une, tenta governar para todos. O mundo democrático respira aliviado: acabou o pesadelo. Começa agora, possivelmente, a insônia dos trumpistas desconsolados. A quem recorrer? A quem imitar? A quem louvar? O mundo dá sinais de normalidade: fim da era Trump, a Lancheria do Parque, símbolo do cotidiano porto-alegrense, no Bom Fim, reabriu. Restar enfrentar a normalidade má: passar pano para acusado de estupro, escolher o menos votado, fechar os olhos para queimadas devastadoras, ignorar os alartas dos especialistas. Só o vírus não foi comunicado do retorno ao normal. O que é dele está guardado: a vacina.


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