Bolas na trave

Bolas na trave

Crônica de uma vida de jornalista

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Volta e meia, passo perto de um “furo” jornalístico, a notícia exclusiva de grande repercussão. Nada faço. Sou procurado. Uma vez, quando era correspondente em Paris, uma amiga jornalista me contou sobre as crianças de uma favela brasileira que herdariam parte da fortuna do pintor Pablo Picasso. Haviam sido adotadas pela enteada do artista, casada com um jornalista brasileiro. Fiz a reportagem, que ninguém quis publicar. O cara era influente e bloqueava a publicação. Minha fonte resolveu publicar a história. Tomou um processo. Escapei.

      Outra vez, fui procurado pela mulher do Belchior. Lembram disso? O cantor desaparecido estava em Porto Alegre e queria me encontrar. Com ajuda de jovens repórteres da Rádio Guaíba fomos ao encontro dele. Quando, porém, publiquei um texto sobre o caso, Belchior e a mulher sumiram. Eu recebia recados de que ele estava em Santa Cruz do Sul. Dei uma palestra lá, fui jantar na casa do anfitrião. Queimou alguma coisa. Ele esqueceu de me contar que Belchior havia passado uma temporada com ele. Eu queria ter entendido o que levou Belchior a largar tudo. Não tive paciência para abrigá-lo por longo tempo para investigar. Quem o recebeu, pelo jeito, também não decifrou o enigma.

      A ex-deputada Manuela D’Ávila nos contou outro dia que, quando foi contatada pelo tal hacker, cuja identidade não ficou sabendo, sobre as interceptações das conversas da turma da Lava-Jato, pensou logo em mim para receber o material. O hacker queria que ela usasse as suas descobertas, pois não confiava na mídia. Apesar de ser jornalista, Manuela preferiu indicar alguém. O meu nome foi o primeiro a surgir na sua mente. Ela foi minha aluna. Participa com frequência do Esfera Pública, na Rádio Guaíba, apresentado por mim e Taline. Aí Manuela teve um momento de reflexão: “E se matam o Juremir?” Indicou o Glenn Greenwald. Perdi o “furo”. Estou vivo. Acho que não posso me queixar. Talvez Manuela só tenha dito isso para ser gentil comigo.

      A história é muito boa. Esse Glenn é sortudo ou imortal?  Fiquei meditativo: se Manuela tivesse me indicado, o que teria acontecido comigo? Estaria famoso? Receberia o Prêmio Esso de jornalismo? Usaria colete à prova de bala? Teria virado o inimigo número um do bolsonarismo e dos lava-jatistas? Minha vida nunca mais seria a mesma? Teria sido recusado pelo hacker por ser um cusco do jornalismo? Há pouco, o jogador Edenilson, do Inter, estava fora da primeira partida contra o Flamengo, pela Libertadores da América. Um amigo me falou: “Ele vai jogar”. Duvidei. Ele insistiu: “Minha fonte é muito quente”. Falei disso na Guaíba. Os nossos ótimos repórteres foram conferir. Edenilson jogou. Agora me dizem que o Cebolinha está vendido. Será? Se não está, será. Tem sempre uma nova chance.

      Notícias me procuram. Ou quase. Não exageram. Sabem que sou inofensivo. Quem me procura e sempre me acha é aquele 086 de Teresinha, no Piauí. Cheguei a receber uma ligação a cada dois minutos durante três horas. Liguei para a Anatel, que me mandou ligar para a minha operadora, que me remeteu para a Anatel. Será que é um hacker querendo me passar uma notícia sobre quem paga as contas do Queiroz no Morumbi? Devo atender? Ou risco o risco de morrer?


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