Brado retumbante das manifestações anticomunistas

Brado retumbante das manifestações anticomunistas

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Não sei em que mundo eu vivo.

Tenho a sensação de estar no lugar errado.

Os manifestantes de Porto Alegre fazem a gentileza de passar ao alcance da minha janela. Posso vê-los de vários ângulos e ouvir tudo o que dizem. Olho de cima. Tenho uma vista privilegiada. Constatei uma boa redução no tamanho do desfile. Passaram dois grupos. O primeiro não tinha mais de 300 pessoas. O segundo foi o tal das 35 mil pessoas. Procurei observar os cartazes, as faixas e os slogans gritados pelos manifestantes. Se eu fechasse a janela e só me guiasse pelas frases escandidas, não ficaria sabendo que se tratava de uma protesto contra a corrupção generalizada. O brado mais retumbante foi sempre o “Fora PT”. Mais forte até do que o “Fora Dilma”. A presidente foi brindada com um cântico especial: “Pé na bunda dela/O Brasil não é a Venezuela”. Mas até parecia. Só faltava o Capriles.

O frenesi chegava ao máximo quando a massa entoava o refrão “a nossa bandeira jamais será vermelha”. A parte gráfica do cortejo pedia impeachment da presidente, atacava o comunismo, reclamava uma intervenção militar e condenava a esquerdização do país. Não fosse pelo visual da turma, eu pensaria ter desembarcado em 1964 numa Marcha da Família contra o perigo vermelho. Eu esperava faixas e gritos contra a corrupção do PT, do PP, do PMDB, do PSDB e de toda a sopa de letrinhas política. Pensei que haveria citações à Operação Zelotes, à sonegação de impostos, às contas secretas de políticos, celebridades e empresários no HSBC da Suíça. Achei que haveria muito protesto contra o ajuste fiscal do governo, contra as terceirizações e contra a retirada de garantias trabalhistas. Pensei que os deputados do PP gaúcho, citados na lista do procurador Janot, seriam alvos de duras críticas, chacotas e cobranças. Não vi nada disso.

Pensando bem, minha janela não deve ser um ponto de observação tão bom assim. O vento deve ter soprado para o lado oposto as frases contra a sonegação e a corrupção suprapartidária. O Brasil fardou-se. Tinha até uma faixa dizendo que sonegação não é corrupção. Tomei como ironia. Ao lado, defesa das terceirizações. O pessoal rasgou a bandeira. Saiu do armário. Só vi e ouvi manifestação ideológica contra o PT por sua suposta relação com o comunismo. Sei que eram pessoas “de bem”. Cheguei a pensar, ouvindo o cristalino “vai pra Cuba”, entoado com a força de pulmões acostumados ao ar puro do Parcão, que fosse apenas a direita, acompanhada por políticos e militantes do PSDB, do PMDB e até do PP, ainda em luta contra os fantasmas vermelhos do passado, os comunistas comedores de criancinhas e agora defensores de programas hediondos como o bolsa-família, as cotas e o ProUni. O PT merece o sufoco que anda passando. Achou que era tão malandro a ponto de poder comprar a direita com o dinheiro dela (o nosso é sempre dos donos do poder). A direita até se vendeu. Mas denunciou o negócio. Bingo!



Fiquei decepcionado com os manifestantes. Eu queria mais. Eu queria alternância: Fora PT, Fora PP, Fora PMDB, Fora PSDB. Entendo que a ira se concentre em quem detém o poder central. Faz sentido. Esperava, ainda assim, alguma nota de rodapé para os demais. Afinal, eles se esforçaram. Fiquei com a impressão de terceiro turno. É tudo muito novo. A Brigada Militar, que sempre reduz o tamanho das passeatas, aumenta pela segunda vez o número de manifestantes. Foi bonito. Aprendi que só o PT rouba no Brasil. Longe de mim defendê-lo. Mas e a isonomia?

Não suporto injustiça.

O PP e o PMDB foram injustiçados.

Mereciam algumas faixinhas.

Não podem ser eternamente tratados como coadjuvantes.

A lente dos manifestantes foi muito seletiva.

Teve defesa do fim do sufrágio universal, retorno do integralistas, a extrema-direita dos tempos de Plínio Salgado, o fascismo brasileiro, elogios ao regime militar, suspiros pela ditadura defunta e coisas assim.

O bacana da democracia é que se poder ir às ruas pedir sua extinção.

 

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