Brasil no fio da navalha

Brasil no fio da navalha

País flerta com o abismo

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      Muitas são as expressões que trata do perigo iminente: à beira do abismo, no fio da navalha, brincando com o perigo, dormindo com o inimigo, na corda bamba, subiu no telhado, provocando as energias do caos, passando a boiada, preparando o golpe, sonhando com autogolpe, digerindo o contragolpe, aparando as arestas, limpado do queixo a lava do vulcão, varrendo para baixo do tapete a sujeira da véspera, antecipando o desastre, sentindo o bafo da onça no cangote, marchando de passo errado, dando corda ao monstro, fabricando tempestades.

      Para mau entendedor duas palavras não bastam. O perigo já não mora ao lado. Instalou-se feito um posseiro dentro das muralhas de Constantinopla (ver a ótima série “Ascensão: império Otomano”). Só lhe falta dar o passo maior do que as pernas e conquistar a glória eterna segundo os seus parâmetros ou voltar para a vastidão da insignificância nas terras planas do esquecimento. Os sinais da tragédia costumam ser ignorados por evidentes demais. O passado quando quer se repetir vem disfarçado de futuro ou de fake. A parada é sempre a mesma: você sabe com quem está se metendo? O buraco da bala é sempre mais em cima. Como dizia Jorge Maravilha, “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Metáforas, imagens da perdição e do grande cerco.

      E, de fato, “mais vale uma filha na mão do que dois pais sobrevoando”. Outros tempos, quase mesmas angústias, crises militares, surdas ameaças, comemorações indevidas, infiltrações de todo tipo. Houve um tempo, certamente mitológico ou narrativo, em que, mesmo sendo considerado, por estes ou aqueles, necessário fazer algo controverso, era de bom senso não comemorar. Depois, ao que consta, os pudores foram abandonados. No distante do país do passado tudo andava ao contrário: “Avante, soldado, para trás”. E tudo refluía. Chocante.

Realismo: em março de 1964 o marechal Castello Branco chefiava o Estado-Maior do Exército. Tido por cauteloso, fez circular uma nota reservada que passaria à história como despiste: “Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os Poderes constitucionais e a sua coexistência”. Em seguida, deu o golpe que mergulharia o país numa ditadura por mais de vinte anos. O “Jornal do Brasil”, em 6 de abril de 1964, citava um grande jurista disposto a apequenar-se: “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!” Assim se explicava a contradição fazendo dela um paradoxo.

O “Correio da Manhã” deu em manchete: “Lacerda anuncia volta do país à democracia”. O “Estado de Minas” exultava: “Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos (…) Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria”. “O Globo” publicou o álibi perfeito a ser brandido contra os revisores do passado: “A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. Passados 49 anos, pediu desculpas pelo disparate. O general Hamilton Mourão está certo: os brasileiros esperam das Forças Armadas “que não esqueçam do compromisso com a pátria, que juraram defender”. Constitucionalmente.


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