Caracas, que atoleiro

Caracas, que atoleiro

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A Venezuela é um problema sem fim. Tem vivido de golpes, ditaduras, manipulações eleitorais e demagogos de direita e esquerda. Antes de Hugo Chávez, era uma falsa democracia dominada por corruptos. O mundo não dava a menor importância para isso. Estava tudo bem. Carlos Andrés Pérez sofreu impeachment por ter ido com sede demais aos cofres. O “caracazo”, rebelião popular de 1989, escancarou o abismo separando ricos e pobres. Estive lá alguns meses depois. Era um país irreal: rico em petróleo e paupérrimo em distribuição de riqueza.

Depois de Chávez, a Venezuela virou um regime autoritário que disfarça o pendor ditatorial com eleições sob medida para a situação vencer. Maduro elegeu-se novamente. Tudo mostra que a eleição foi manipulada. É como se um brasileiro tivesse de apresentar o cartão do Bolsa Família depois de votar para receber um bônus. Certa esquerda brasileira fica indignada que se fale disso. Enxerga apenas a pressão “ianque” contra o socialismo ensolarado e distorções da mídia neoliberal. Já a direita, a mesma que amava a ditadura chilena de Pinochet, acreditava na inocência de Ernesto Geisel e ignorava a corrupção e a desigualdade venezuelanas dos anos 1980 e 1990, cobra democracia formal imediata e retorno aos bons tempos pré-chavismo.

Há coisas que derivam do cerco adversário. Outras, não. As prisões políticas em Cuba, a censura, a falta de liberdade de expressão e imprensa e o tratamento de choque a homossexuais não tinham a ver com o embargo econômico impostos pelos Estados Unidos. Fazem parte do DNA de uma visão de mundo e de um modo de organização da sociedade. A direita venezuelana não prima pelo ideal de justiça social, mas não deixa de ter razão ao denunciar o jogo de cartas marcadas. Se a vida na Venezuela era ruim, tem conseguido piorar. O principal responsável pela ascensão do bolivarianismo é a elite venezuelana. Ela teve séculos para construir um Estado de bem-estar social. Ocupou-se exclusivamente em acumular por todos os meios.

A oposição ajuda a produzir a crise que denuncia. Velho jogo. Cuba aplaudiu a vitória de Maduro nas urnas. Poderia, quem sabe, organizar eleições presidenciais multipartidárias, para si. O jornal francês “Le Monde”, de centro-esquerda, cravou em editorial: “Desde a queda dos grandes totalitarismos do século XX, os ditadores do século XXI adoram adornar-se com a elegância das urnas. Sejam eles fascistas, populistas, islamistas, pós-comunistas, neorrevolucionários ou simplesmente autocráticos, são raros os regimes políticos - monarquias absolutas à parte - que não tentam se dar uma fachada democrática”.

Para o diário parisiense a Venezuela “não entra numa categoria clássica de ditadura”, mas a eleição atual “nada teve a ver com qualquer tipo de experiência democrática”. “Le Monde” é o mesmo jornal que volta e meia questiona os métodos da justiça brasileira e sugere que há zonas obscuras na prisão de Lula. Há pouco, estampou na sua capa uma carta do ex-presidente explicando sua decisão de concorrer em 2018. Com Maduro, a Venezuela apodreceu e caiu do galho. Um atoleiro.

 

 

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