Cenas do aparelhamento institucional

Cenas do aparelhamento institucional

Governo quer propaganda, não jornalismo

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Jornalismo, dizia George Orwell, é publicar o que alguém gostaria de esconder. O resto seria propaganda. Políticos fazendo lives do Congresso Nacional é autopromoção. Cidadãos filmando acidentes de trânsito ou cenas de assalto é depoimento ou contribuição para pautas jornalísticas. A tecnologia ajuda muito, mas não muda o essencial do jornalismo: apurar, investigar, cobrir sistematicamente, fiscalizar o poder, contar boas histórias, levantar informações, empacotá-las, analisá-las, interpretá-las e entregar tudo pronto. Jornalismo continua sendo incomodar os poderosos de plantão. Yes!

      O governo Jair Bolsonaro vem tentando aparelhar algumas áreas. Depois de muito criticar, não sem razão, o aparelhamento pela esquerda, o novo governo aparelha pela direita. O aparelhamento na cultura está aí para quem quiser ver ou não estiver cego de ideologia. Houve interferência na exibição de um filme sobre Chico Buarque no Uruguai. Outro filme, o de Wagner Moura, sobre a vida de Carlos Marighella, acabou empurrado para 2020. O caso mais escandaloso, porém, envolve a Caixa Econômica Federal. Apresentações artísticas no Caixa Cultural devem seguir as recomendações de um novo “manual” que diz sem constrangimento para se avaliar “possíveis riscos de atuação contra as regras dos espaços culturais, manifestações contra a Caixa e contra governo e quaisquer outros pontos que podem impactar”.

      Teremos um novo DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda do getulismo que censurava e manipulava a cultura para construir a imagem do “pai dos pobres”? Cuidado com o que se diz nas redes sociais, pois devem ser mapeados o “histórico do artista nas redes sociais e na internet e participação em outros projetos” e o “histórico do produtor nas redes sociais e na internet”. Roberto Alvim, diretor da Funarte, convertido ao bolsonarismo radical, quer organizar artistas conservadores para uma “guerra cultural”. Ele pretende formar “um exército de artistas espiritualmente comprometidos com nosso presidente e seus ideais”. Os ideais de Alvim são confusos. Ele tentou contratar a própria mulher, por R$ 3,5 milhões, para comandar uma revitalização da rede nacional de teatros. O ministro Osmar Terra teve de intervir exonerando 19 funcionários envolvidos no rolo. Alvim também se destacou por ter chamado Fernando Montenegro de “sórdida”.

      Os ataques de Alvim, um dos mais novos e fervorosos discípulos de Olavo de Carvalho, uniram políticos e artistas contra ele. Ciro Gomes chamou-o de “vagabundo, medíocre, picareta”. O Ministério Público Federal de Pernambuco ajuizou ação contra o cancelamento pela Caixa Econômica Federal da peça “Abrazo”, do grupo Clowns de Shakespeare. A CEF não teria gostado de ver a encenação de uma ditadura no palco.  O Banco do Brasil estaria seguindo a mesma toada da Caixa, ambos submetidos, quanto aos investimentos culturais, à Secretaria de Comunicação. O TCU também está do olho. Os temas colocados no index seriam “feminismo, homossexualidade e questões relacionadas à Amazônia e às milícias”. O governo, claro, nega tudo.

 

 

 


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