Cinema no carnaval

Cinema no carnaval

Filmes sobre racismo e fascismo

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Na Cidade Baixa, em Porto Alegre, no sábado, o carnaval estava lindo, especialmente pelas fantasias de cada pessoa, num desfile de diversidade e bom humor. Estivemos lá. Fui fantasiado de jornalista. É um disfarce que não engana ninguém. Um dia depois, teve confusão. Triste. Lindo também foi o CarnaGlau, carnaval da cantora Glau Barros, com participação embalada de Gelson Oliveira e Gil Collares, no café Fon-Fon. Teve até foliã de 98 anos caindo no samba. Viajamos no tempo para a boa época dos bailes de carnaval de salão. Show. Eu fui feliz ali.

      Como o carnaval é longo para os hiperativos que não saem por aí beijando a esmo, fomos ao cinema ver “Green Book” e “O silêncio dos outros”. O primeiro, ganhador do Oscar, de Peter Farrely, com Vigo Mortensen e Mahershala Ali, usa uma fórmula batida e imbatível: misturar os inconciliáveis para gerar uma conciliação: tese, antítese e síntese. No caso, uma dialética invertida: pianista negro, famoso, rico e desejoso de branqueamento contrata como motorista um ítalo-americano fanfarrão e racista. Partem em viagem pelo sul dos Estados Unidos dos anos 1960. No começo, o choque é inevitável. Aos poucos, um transforma o outro. Ao final, o negro está mais sensível aos seus e o branco está menos racista. A realista é mais complexa.

      Tem algo errado no filme ainda que seja a adaptação de uma história acontecida. Parece, em alguns momentos, aliviar o branco e culpar o negro. Todas as contas feitas, o resultado é satisfatório: mostra o absurdo e a dimensão estratosférica do apartheid nos Estados Unidos de ainda ontem. Eta país racista! Negro podia ser bom para ser aplaudido como artista, mas não para entrar em restaurante, hotel e banheiro de branco. Na hora de comer, dormir e defecar, as diferenças raciais eram restabelecidas. No Rio Grande, até poucas décadas atrás, não era diferente. Em clube de branco, negro não entrava. Eu vi com estes belos olhos que infelizmente a terra há de comer. Uma infâmia dessas não apaga os seus rastros em meio século. A crítica ao politicamente correto não deixa de ser uma cobertura desse passado ignominioso é desculpado pelos interessados como valores da época. O fascismo é um espectro que ronda o Ocidente.

      “O silêncio dos outros”, documentário de Almudena Carracedo e Robert Bahar, mostra o calvário das famílias vitimadas pela ditadura espanhola de Francisco Franco. O torturado mora numa rua que homenageia militar carniceiro. É vizinho de torturador. Monumentos homenageiam fascistas. A Lei da Anistia, “pacto de esquecimento”, feita depois da morte do ditador, impede o julgamento de torturadores e assassinos. O filme salienta que essa lei serviu de modelo para os países latino-americanos ao final das suas recentes ditaduras. Destaca que aos poucos, porém, cada país reviu a sua lei de anistia. Esquece de avisar que um país não fez isso: o Brasil.

      A tentação autoritária não morre. Neste carnaval, em Minas Gerais, um oficial da Polícia Militar, queria impedir crítica a Jair Bolsonaro e elogio a Lula. O bom senso impediu a patuscada. No filme sobre o franquismo, uma mulher pergunta: “Tem rua em Berlim com o nome de Hitler?” Nome de rua é homenagem. Não é para refrescar a memória sobre o pior.

 


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