Como foi feita a lista da (auto)anistia no Brasil

Como foi feita a lista da (auto)anistia no Brasil

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Diante de certos questionamentos, reproduzo aqui texto que publiquei há alguns dias.

Inventário da auto-anistia





Luciana Genro não faz qualquer coisa pela metade. Entrega-se totalmente. Foi uma das deputadas mais combativas e coerentes dos últimos tempos neste Brasil gelatinoso. Não hesitou em atacar o PT, até ser expulsa, quando percebeu a virada em direção ao lulismo pragmático. Apesar de ter feito quase 130 mil votos na última eleição, ficou de fora, vítima do sistema eleitoral vigente. Entrou deputado com menos de 30 mil votos. A banca recebe, a banca paga. Mas soa estranho. Sem mandato, Luciana dedicou-se a estudar. Terminou a faculdade de Direito, na Unisinos. O seu trabalho de conclusão virou livro, “Direitos humanos: o Brasil no bancos dos réus” (editora LTr). Uma baita obra. Nota dez.

Quem quiser entender porque a lei da anistia foi realmente uma autoanistia que se concederam os militares, mergulhe nas páginas do livro de Luciana Genro. Há uma descrição minuciosa das circunstâncias da votação da lei, num Congresso Nacional manipulado, que aceitara, por exemplo, a existência de senadores biônicos, não eleitos. Luciana cita parte do discurso do deputado Airton Soares (MDB/SP) na sessão de aprovação da Lei da Autoanistia: “Não podemos concordar com este projeto, e todo o MDB se manifestou contra. Não vamos participar de farsa alguma montada por um regime que até então torturava, e hoje usa outras maneiras para se afirmar no poder”. Cita também a fala do deputado gaúcho Jorge Uequed (MDB): “Aqui nesta Casa, o projeto vai ser aprovado como o governo quer! Sim, porque o governo conhece as suas lideranças da ARENA, ele as tem na mão, quase que totalmente”. Mais?

Teotônio Vilella, presidente da comissão especial encarregada de analisar o projeto a ser votado: “A oposição procurou (...) meios de entendimento. Tudo nos foi negado, até a humildade honrada de pedir para insistir”. Luciana resume: “Em uma votação preliminar, o substitutivo do MDB foi derrotado, e a aprovação do substitutivo do relator aconteceu sem votação nominal, apenas com os votos dos líderes”. Qualquer outra possibilidade seria revertida pelos senadores biônicos ou vetada pelo ditador de plantão, o amante de cavalos João Figueiredo. O objetivo era um só: bloquear qualquer possibilidade de punição a torturadores e outros responsáveis por crimes de terrorismo de Estado. O livro de Luciana Genro vai além: mostra que o Brasil está na rabeira mundial em relação ao tratamento de crimes de ditaduras. A Argentina e o Uruguai estão nos dando de goleada. Os uruguaios revogaram a sua lei de autoanistia por meio de plebiscito. Aqui, permanece a fábula da lei negociada. Daí a importância de uma Comissão da Verdade.

O tema é vasto, o livro, riquíssimo. Melhor comparecer hoje, a partir das 19 horas, ao debate de lançamento da obra, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS. Luciana conversará com o procurador do Ministério Público Federal Ivan Marx e com a professora Roberta Baggio, conselheira da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Está mais do que hora do STF rever a sua posição sobre a autoanistia. Chega de impunidade.




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