Como será o nosso amanhã?

Como será o nosso amanhã?

Eu imagino o ano de 2021 fantástico. Em algumas situações, só haverá aplausos. Em outras, divisão. O vírus irá embora como veio. Se não for por bem, irá pela vacina

Juremir Machado da Silva

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Passei o ano de 2020 pensando em 2021. Foi uma maneira astuciosa de me imaginar vivo para um recomeço. Passei a imaginar coisas extraordinárias para esta nova etapa. Afinal, nós seres humanos acreditamos nessa divisão do tempo que inventamos para contabilizar a passagem dos dias. Chegamos a achar que virada de ano muda o imaginário. Zera-se a contagem e solta-se o cronômetro para uma nova era. Como será 2021? Eu o imagino fantástico. Darei alguns exemplos do que poderá acontecer para surpresa de muitos e alegria de boa parte. Em algumas situações, só haverá aplausos. Em outras, divisão. O vírus irá embora como veio. Se não for por bem, irá pela vacina. Antes mesmo de todos serem vacinados, já funcionará a tal imunidade do rebanho.


Limitado por cada vez mais corpos imunizados, o corona não terá para onde correr e se desintegrará. Nem ser vivo parece que ele é. E aí vem o resto. Em 2021, as pessoas praticarão gestos incríveis: elas andarão pelas ruas em bandos, de mãos dadas, abraçadas, beijando-se, soltando gargalhadas, aglomeradas, amontoadas, sem medo algum. Outra perspectiva até agora inimaginável é esta: iremos ao cinema, comeremos em restaurantes, faremos piqueniques, apertaremos mãos de desconhecidos, daremos aulas presenciais, não trabalharemos só de casa, viajaremos, tomaremos aviões sem qualquer receio, lotaremos praias sem qualquer restrição e festejaremos aniversários em grupo.
Seremos vacinados em massa. Até na parada do ônibus se for o caso. A ciência vencerá. Não se falará mais em cloroquina, terraplanismo e outras fantasias do ano da peste. De quebra, Jair Bolsonaro não fará mais provocações, tomará vacina e será um exemplo de racionalidade. Não haverá ABIN paralela nem rachadinha. Os casos investigados serão esclarecidos, os culpados, punidos, a transparência triunfará. Dos Estados Unidos, com o presidente Joe Biden no comando, virá uma mensagem de equilíbrio e de aposta na democracia. Donald Trump, o coronavírus e o negacionismo serão temas de redação, assunto de livros de memória, objeto de retrospectivas, lembranças do pesadelo. Nada mais do que isso. Eu voltarei a andar pela cidade.


Desde agosto não saio do Grande Bom Fim, área em Porto Alegre que na minha geografia vai da João Pessoa à Vasco da Gama e da Sarmento Leite ao viaduto da Mariante, engolindo partes do Rio Branco, Santa Cecília, Santana e Farroupilha. Como será pegar ônibus, parar um táxi, chamar um aplicativo, comer fora de casa, respirar de nariz no ar e até espirrar sem temor de ser linchado? Centro direita, centro, esquerda e centro esquerda trabalharão por uma candidatura distante de qualquer extremismo para 2022. O futebol voltará a ter dribles. Os líderes brilharão pelo equilíbrio, maestros regendo o pluralismo de orquestras, jamais militantes de um único lado, olhos e ouvidos de todos, especialmente dos que não têm voz ou não conseguem gritar.


Cantaremos, quem sabe, como Belchior, talvez na voz do Emicida, “ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”. Em 2021, ano real e realista, continuará o cerco ao racismo, à homofobia e ao assédio. Cada época com as suas lutas. Essas estão entre as maiores do nosso tempo. O Supremo Tribunal Federal aplicará a Constituição sempre que ela for clara e não demandar interpretação. Onde disser vedado, o STF lerá, como fizeram seis ministros em 2020, proibido, como está no dicionário. Deputados não apalparão as suas colegas sem o consentimento delas. Policiais e seguranças não asfixiarão homens por causa de um olhar agressivo ampliado pelo fato de serem negros. Juiz não dirá para uma vítima de violência doméstica que ninguém agride de graça. Meninos jogando futebol não serão chamados de “aquele preto”.


Nem tudo se realizará em 2021. Mas essas são algumas metas. Tentaremos ser melhores do que em 2020. Praticaremos uma filosofia minimalista: menos é mais. Menos egoísmo, mais solidariedade. Menos ganância, mais distribuição justa. Menos violência, mais segurança. Menos impostos regressivos, mais justiça tributária. Menos fanatismo, mais tolerância. É muita utopia? Um pouco. Uma parte já está em construção. Já não somos os mesmos ainda que alguns odeiem a mudança. Em 2021, eu olharei para frente e direi: que lindo, estamos vivos!


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