Consequencialismo ideológico

Consequencialismo ideológico

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      Um dos meus passatempos favoritos é criar categorias, que é como são chamados os rótulos ou etiquetas quando postulam alguma legitimidade conceitual ou servem para uma conversa de happy hour. Vou arriscar algo profundamente inédito: o Brasil está dividido em dois campos. Adeptos do consenquencialismo ideológico versus defensores do principialismo literal da lei. Bonito, não? O consequencialismo é uma corrente filosófica e futebolística. Diz basicamente o seguinte: o que conta é o resultado. Valoriza mais a consequência do que a intenção. O consequencialismo ideológico aplicado ao mundo jurídico consegue a façanha de aliar intenção e resultado. É como a quadratura do círculo.

Se a literalidade da lei atrapalha a boa intenção e o resultado esperado, o consequencialista ideológico aceita interpretações que reescrevam o texto legal. Exemplo: se a aplicação literal da lei favorece a impunidade, pelo excesso de recursos, o consequencialista ideológico defende que a lei não seja aplicada literalmente. A disputa em torno da prisão depois da condenação em segunda instância ou após o trânsito em julgado opõe consequencialistas ideológicos e principialistas literais, entre os quais eu me incluo. O consequencialista não tem paciência com a literalidade da lei. Mudar a Constituição por emendas difíceis de aprovar ou fazer outra Carta Magna é algo incompatível com a sua ansiedade. Prefere os atalhos.

O consequencialismo ideológico assume várias facetas: consequencialismo punitivista, demagógico, midiático, elitista ou populista. O punivista é o mais feroz e militante. Se a lei dificulta a punição, que seja desrespeitada. Por que consequencialismo ideológico? Porque os adeptos admitem a violação da lei quando isso atinge os seus inimigos de ideologia. Quando ferra os seus amigos, exigem o cumprimento literal do ordenamento legal. O consequencialista ideológico é um legalista bissexto. Não lhe interessam os princípios, mas só os fins. A todo momento profere a sua sentença preferida:

– Se a intenção é combater a impunidade o que interessa é o resultado.

Tenho sido consequencialista em futebol e principialista em direito. Consequencialistas ideológicos podem ser de direita ou de esquerda. Vivem em contradição. Num dia amam Gilmar Mendes e no outro o odeiam. Em geral, detestam os chamados garantistas, pois estes tendem a seguir certos princípios, salvo quando a aplicação de princípios serve para proteger algum amigo ou interesse pessoal. Os petistas eram consequencialistas antes do mensalão e do petrolão. Viraram garantistas. A direita era garantista antes do PT chegar ao poder. Hoje é consequencialista de carteirinha. A Lava Jato é consequencialista por princípio. O tucanato é garantista com Aécio e consequencialita com Lula. Ministros consequencialistas do STF são heróis da mídia atualmente. Os garantistas fazem papel de vilões.

A mídia é consequencialista por princípio ideológico e impaciência.

Qual a consequência disso? O triunfo da contradição.

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