Contfesso que escrevi

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Reflexão ao receber a medalha Alberto André da ARI

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      Ontem, recebi a medalha Alberto André, da Associação Rio-Grandense de Imprensa, por minha “trajetória profissional e inestimável contribuição à ARI e ao jornalismo do Rio Grande do Sul”. É uma redação generosa para aquecer o coração do homenageado. São 35 anos de jornalismo. Comecei num humorístico que durou quatro meses dos cem anos planejados, “The Porto Alegre Times”, passei pela “Folha de Viamão”, da Ruvana de Carli, fui para ZH, onde atuei como setorista no Grêmio, repórter de cultura, colunista e correspondente na França. Andei pela Isto É, colaborei com a Folha de S. Paulo, fui comentarista no SBT, no telejornal da minha querida amiga Cristiane Finger, virei guerrilheiro da notícia na TV Guaíba, acolhido por Flávio Alcaraz Gomes. Estou no Correio do Povo desde 1º de setembro de 2000.

      Tenho feito de tudo: jornal impresso, televisão, rádio, internet e revista acadêmica. Entrevistei muita gente importante, entrei em muita polêmica, acumulei histórias. Tive uma briga com Cacalo, que seria presidente do Grêmio. A mãe dele, minha ex-professora e colega na PUCRS, Dileta Silveira Martins, por quem tive grande admiração, conseguiu depois de muito tempo selar a nossa paz. Andei na contramão: desdenhei a música de Vítor Ramil, odiei “Ilha das Flores”, curta ovacionado de Jorge Furtado, e briguei com Luis Fernando Verissimo. Eu era um jovem doutor em sociologia voltando da França, libertário e cultivado no horror da socialdemocracia ao stalinismo. Via em certas manifestações de esquerda os rastros da União Soviética. Queria formas profundas e conteúdos tipo pré-sal. Torcia o nariz para a leveza, o entretenimento e tudo que não me parecesse digno de Balzac e Proust. A vida tinha outro ritmo e eu não pensava em ter cabelos brancos.

      Ramil é o grande compositor gaúcho. O filme de Furtado nunca me apaixonou. Mas é muito bom. Verissimo escreve muito bem. Leio escondido no banheiro. Aplaudo a sua visão fina em meio à mediocridade. Os seus admiradores mais velhos, especialmente jornalistas, sempre tentam me arrancar uma confissão de arrependimento. Colocam armadilhas para eu cair. A briga me custou uma demissão, ódios e cada vez mais socos e pontapés metafóricos. Mudou a minha vida. Sem essa bifurcação talvez eu não tivesse feito um pós-doutorado na França nem escrito 40 livros. Verissimo defendeu o pai de uma crítica que fiz. Hoje, de cabelos platinados, digo: eu faria o mesmo. É obrigação de filho defender o pai quando se tem respeito por ele. O resto se perde no tempo como uma crônica que se dissolveu.

      Dedico esta medalha a dois colegas fundamentais na minha trajetória: Telmo Flor, amigo de faculdade e chefe extraordinário, um regente de orquestra, e Taline Oppitz, companheira durante dez anos numa experiência inesquecível. Agradeço ao Luiz Adolfo, presidente da ARI, e aos seus companheiros de diretoria, entre os quais Nilson Souza, meu primeiro chefe, o que me contratou para o primeiro emprego de carteira assinada, quando eu ainda nem sabia datilografar direito (era no tempo da máquina de escrever), e Cristiane Finger, parceira de muitas aventuras jornalísticas e universitárias, pela distinção. Parafraseio aquele genial senhor quase octogenário da canção brasileira, se errei ou se sofri o importante é que nunca me traí.


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