Convencimento e consequência

Convencimento e consequência

Estrutura de um mundo relativista

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    Há muito sustento uma teoria que poderia me dar um Nobel (só falta criar um para a categoria em que eu poderia ser premiado, sem contar o da literatura, naturalmente). A minha teoria tem nome: convencimento e consequência. Vamos a ela: o prêmio Nobel da economia X sustenta tal coisa. O prêmio Nobel da economia Y sustenta o oposto. O discurso de autoridade não decide quem está certo. O cidadão A acredita que X está certo. O cidadão B, irmão gêmeo de A, educado nas mesmas escolas e vestindo os mesmos uniformes, acredita que Y está certo. Por que A acredita em X e B em Y? Não sabemos. Também não sabemos realmente por que A gosta de morango e B detesta. Não sabemos muitas coisas. Nem sequer se escolhemos. Em todo caso, como nos angustiamos na hora de fazer certas escolhas, a questão perde importância. Mas não sempre.
    O que interessa então no fato de que X e Y, ambos reconhecidos com a honraria máxima da competência, o Nobel, sustentam o contrário um do outro e cada um convence um dos irmãos gêmeos inventados para este exemplo fictício? Justamente o convencimento. O ato de convencer gera consequências. Em geral, a educação, como processo de formatação das mentes e das trajetórias, explica as escolhas. Mas não sempre. A prova disso é que o filho do grande empresário pode tornar-se anticapitalista, assim como o rebento do líder operário marxista pode vir a ser neoliberal. Não há determinismo aí. Ser convencido, mesmo sem saber a razão profunda, leva a adotar um modo de vida resultante da matriz que levou ao convencimento. Convencer-se faz viver de um modo.
    O empirismo trivial faz pensar que basta comparar teorias com realidades concretas para tudo se esclarecer. Há, porém, exemplos que afirmam e negam a maioria das proposições. Pode-se descartar uma inconsistência, eliminar um dado factual, cortar um erro, mas não provar que o economista X está certo e Y está errado. Não há verdade então? Há muitas verdades. A Terra não é plana. Não há provas de certas pretensas verdades. Por enquanto. Isso deveria conduzir a um desencanto com certas disciplinas da produção de conhecimento? Não. Pois o convencimento produz consequências, ou seja, resultados práticos. Se me deixo convencer, vivo de um modo e não de outro e isso faz diferença.
    Nas discussões entre intelectuais, sempre em nome da alta racionalidade, quase sempre tudo termina em adjetivos, insultos e argumentos de autoridade. X diz que Y não entende nada. Y garante que X está falando bobagens. A invoca a autoridade de X para mostrar que tem razão. B recorre ao alto saber de Y para defender que está certo. Outro recurso é uso de termos que a plateia desconheça ou com os quais um dos debatedores não esteja familiarizado. No campo jurídico expressões em latim costumam resolver quem é do ramo. Na medicina, termos impronunciáveis. Nas ciências humanas, citações ou até palavras gregas. Pouco importa. O que interessa é convencer. Se me convenço de que o homem é responsável pelo aquecimento global, quero um tipo de mundo. Se não, quero outro. Assim se constroem os sistemas de hierarquia social.

 


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