Cultura agonizante em Porto Alegre

Cultura agonizante em Porto Alegre

Equipamentos e patrimônio precisam de cuidados

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      Nelo belo e melancólico texto intitulado “Experiência e pobreza”, o alemão Walter Benjamin encerra a reflexão com um tom desolador: “Podemos agora tomar distância para avaliar o conjunto. Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos a moeda miúda do ‘atual’. A crise econômica está diante da porta, atrás dela está uma sombra, a próxima guerra”. A nossa guerra está declarada, contra um vírus e contra a desvalorização da cultura.

A Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, fechou em 2017 e nunca mais reabriu. A biblioteca da SMAM (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) está sendo transferida da sede perto da Carlos Gomes para o Parque Germânia. A fiação do Centro Municipal de Cultura foi roubada. Os secretários da Cultura são sempre muito capacitados, entre eles Sergius Gonzaga, Luciano Alabarse e agora Gunter Axt. Faltam-lhes os recursos para salvar o barco do naufrágio ou manter as aparências. Há problemas de todo tipo. Prédios históricos tombados perdem os pedaços enredados no pouco interesse dos proprietários em restaurá-los. Ou na falta de apoio público para que isso aconteça. No caso da biblioteca da SMAM, a nova gestão municipal, em nota, defende que a mudança de endereço dará melhores condições de acondicionamento e exposição da preciosa documentação. Ambientalistas e outros defensores da biblioteca não estão convencidos dessa argumentação e protestam publicamente há vários dias.

Grazieli Demoliner, vice-presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia da 10ª Região, me enviou este e-mail: “A Prefeitura Municipal coloca em risco mais uma estrutura de proteção ao meio ambiente de Porto Alegre a partir da proposta de transferência da Biblioteca Jornalista Roberto Eduardo Xavier na SMAM, referência na temática ambiental e que serve como fonte de informação técnica para os servidores da secretaria (mais de 20 mil obras), para dar lugar ao Escritório de Licenciamento”. A lista dos inquietos é grande. A cultura no Rio Grande do Sul passa por um momento difícil. Em Caçapava, a Casa do Ministérios, patrimônio farroupilha, tem sofrido. A cultura é primo pobre da política.

O diligente e incansável Sergius Gonzaga, responsável até o final de 2020 pelo Prêmio Açorianos de literatura, me contou que pagava do próprio bolso as plaquinhas com o nome dos vencedores fixadas nos troféus. Sabemos que a cultura não é prioridade. Mas a esse ponto! O novo secretário municipal da Cultura de Porto Alegre, o conceituado historiador Gunter Axt, já teria confessado o óbvio: falta dinheiro. Há quem sustente que a cultura deve ser bancada integralmente por dinheiro privado. Será? Em outro texto clássico, “Sobre o conceito de história”, Walter Benjamin pontua: “O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido”. Quando os fios são roubados e os telhados caem o presente nos torna mais pobres.

 


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