D’Ale, uma biografia

D’Ale, uma biografia

A bela história do jogador argentino e colorado

publicidade

      Emocionante a biografia de D’Alessandro, “Minha vida, meus sonhos, meu futebol, meu legado” (Sulina), escrita pelo jornalista argentino Diego Borinski, com doze depoimentos destacados, entre os quais os de Marcelo Bielsa, Dunga, Fernando Carvalho e Marcelo Medeiros. Há passagens que arrancam lágrimas. Vai da história clássica do menino pobre – o pai teve um táxi, que o filho ajudou a pagar com os primeiros ganhos no futebol – aos exemplos de um homem apegado à família e ao seu bairro de infância, La Paternal, em Buenos Aires. Tem de tudo no livro. Uma primeira informação que chama a atenção e mostra o homem: em 2018, quando o Internacional o emprestou ao River Plate, seu clube de origem, ele aproveitou para terminar o ensino médio. Faltavam-lhe algumas “matérias”.

      D’Alessandro é um cara de família e de amizades para sempre. Ainda se mantém ligado aos amigos da infância e dos primeiros tempos de futebol. Queria que todos tivessem vencido: “Com o passar dos anos, entende-se que isso definitivamente não acontecerá e que a maioria vai ficar pelo caminho”. Anedotas, brigas, projetos, vitórias e fracassos acotovelam-se na história. É D’Ale defendendo que bons jogadores, mesmo semelhantes, devem poder jogar juntos, pois pior é aglomerar pernas de pau. Ou brincando “que jogador que é habilidoso, que sabe dominar a bola, tem muita confiança em si mesmo. Ele confia mais em si do que no companheiro”. Para quem não sabe, ele conta que seu drible mais característico, “la boba”, foi batizado por Eduardo Coudet, seu companheiro e depois seu treinador no Inter. Vem a boa tirada: “La Boba me sustentou. Poderia até fazer uma estátua para ela”. Ainda dá tempo.

      Como não se emocionar com frases assim sobre um amigo dos tempos de fliperama:  Ele veio me visitar em Porto Alegre há pouco tempo, e nos encontramos no bairro, porque não saímos de lá”. Ou com esta: “Eu tive a sorte de ser jogador de futebol, mas me criei na rua, nos fliperamas, no bairro. E isso sempre estará presente em minha vida”. D’Ale confirma que o seu ídolo sempre foi o uruguaio Rubén Paz, ídolo no Inter. Conta das broncas do pai: “Ainda hoje, se cobro mal uma falta, ele me telefona e diz algo assim: ‘Você ainda não aprendeu’”. Quando foi jogar na Alemanha, soube que a avó estava muito doente. Avisou o treinador que viajaria para a Argentina. Foi alertado de que havia jogos importantes pela frente. Não cedeu: “Não posso esperar”. E se mandou. A avó morreu no dia seguinte ao da sua chegada. Ele foi criado na casa dos avós, dormindo na pequena sala, junto com o irmão, batendo com os pés na geladeira.

      Esse passado ele não renega. Leva os filhos para conhecer onde cresceu, visita e ajuda os companheiros que ficaram pelo caminho. Uma história muito curiosa é contada por Tory Gómez, seu treinador no infantil, entrevistado por um repórter gaúcho: “No final da entrevista, o jornalista me confessou que era torcedor do Grêmio e que o seu clube precisava de uma pessoa como Andrés, que era atento a todos os detalhes, que era um líder. Fiquei impressionado com a admiração com que o descreveu, apesar de simpatizar com o grande adversário da cidade”. Aí o leitor quer logo saber: tem a briga com Tite? Tem. E a frustração de não ter jogado uma Copa do Mundo: também. E os Gre-Nais? Claro. A fama de encrenqueiro? Óbvio. Fama conquistada desde criança. Opiniões sobre esquema tático? Por supuesto. Assim como defesa do camisa dez, chamado por ele de “falso lento”, que cadencia e acelera o jogo com técnica.

Revelações – Tem definições: “O técnico é, antes de tudo, um gestor de pessoas”. O capitão do time tem muita importância fora de campo: negocia prêmios, cobra de colegas que chegam atrasado, faz valer a disciplina. Seu melhor treinador? Marcelo Bielsa. Quem o procurou primeiro? Grêmio ou Inter? O Grêmio. A perda do Brasileirão de 2005 pelo Inter: “Um roubo absoluto”. Revelações de bastidores? Muitas. Mario Sérgio como treinador dava dribles nos dirigentes para que não ouvissem as preleções. A perda do Brasileiro de 2009 para o Flamengo, cujo último jogo foi com o Grêmio: “Já sabíamos que o Grêmio não ia se esforçar, não havia chances”. A perda do Mundial, o do Mazembe: “Um dos erros foi viajar no mesmo avião que os torcedores e dividir o hotel com eles. Essa euforia, essa convivência diária uma semana antes de jogar a semifinal nos desconcentrou um pouco”.

      Fica-se sabendo que direção consulta jogador para contratar e demitir técnico. Foi assim na demissão de Diego Aguirre. Quando Abel recusou convite, o diretor consultou D’Ale para saber se devia confirmar o interino Odair. Dirigente não cumprir palavra dá rolo. D’Ale negociou um prêmio para ganhar um Gre-Nal. Veio só a metade do pagamento. Ele mostrou aos colegas as mensagens de celular trocadas com o cartola. Outro que leva alfinetada é Guto Ferreira. D’Ale conta que, depois de um jogo da série B, contra o Luverdense, Guto falou à imprensa que ele não entrava em campo. Tomou bronca do capitão com direito a ouvir o áudio da entrevista na frente de comandados. Caiu uma semana depois. Que coisa!

      Esta é muito boa: “Eu sempre achei que o jogador brasileiro não é tão dramático para enfrentar as derrotas. Ele sofre menos, vive com mais alegria: samba, futebol, praia”. D’Alessandro de alma inteira. Show.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895