Da educação domiciliar à censura do STF

Da educação domiciliar à censura do STF

Brasil anda na borda do abismo

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      O que fez o governo Jair Bolsonaro pela educação em cem dias?

O que fez o STF nos últimos dias?

O governo viu uma briga ideológica dentro do MEC entre os ditos técnicos, os militares e os seguidores do guru de extrema-direita Olavo de Carvalho, chamado de olavistas ou olavates; espantou o país com o pedido do agora demitido ministro Veléz Rodriguez de que alunos fossem filmados recitando o slogan da campanha eleitoral do presidente da República; chocou o mundo com a proposta do mesmo Veléz de mudar os livros didáticos para contar que não houve golpe em 1964 nem ditadura no Brasil por 21 anos; assinou projeto de lei para instituir a educação domiciliar, ou seja, a possibilidade de crianças não irem à escola; reduziu recursos de bolsas de pesquisa.

      A quem serve o ensino em casa? A pais ideologizados que enxergam na escola uma máquina de doutrinação esquerdista. Escolas dificilmente são homogêneas. A diversidade predomina. A ideia de que professores possam formar um esquadrão ideológico coeso é típica de quem desconhece o universo escolar. Escolas são espaços de socialização e de aprendizagem com equipes multidisciplinares. Olhares diferentes são cruzados. Quem poderá bancar ensino domiciliar de qualidade? Em princípio, só os muito ricos. O que ganharão isolando seus filhos do contato com a pluralidade escolar? Certamente a possibilidade de doutriná-los sem ser incomodados.

      O bolsonarismo tem uma visão profundamente ideológica da escola. Contra o que alega ser uma doutrinação esquerdista, amparada em falta de demonstração estatisticamente consequente, pretende impor uma doutrinação de direita explícita e orgulhosa. A outra dimensão dessa guerra ideológica é o ensino domiciliar. Será possível, em tese, educar em casa sem Copérnico (a Terra não é o centro do universo), sem Darwin (o homem é um animal como outros) e sem Freud (estamos à mercê do nosso inconsciente). Depois do projeto “escola sem partido”, que ainda não avançou no Congresso Nacional, vem a criança sem escola como meio de garantir a tranquilidade ideológica dos pais. Enquanto isso, o analfabetismo corre solto por aí.

      O ensino em casa é mais uma faceta da ideologia do Estado mínimo. Especialistas divergem. A divergência é ideológica. Socializar ou feudalizar? Os defensores da nova feudalização garantem que há outras formas de socializar uma criança. Dificilmente se mostrará uma modalidade de socialização mais completa, complexa, imersiva e permanente quanto a escola. Na ideia de ensino domiciliar esconde-se o velho repúdio ao outro, ao diferente, ao contato com esse outro que incomoda com sua diferença. É mais uma estratégia de isolamento e de proteção contra o perigo da diversidade. Para evitar o risco de contaminação pela diferença, mantém-se a criança na redoma de vidro ideológica e moral da casa superprotegida.

      A escola é o espaço de encontro de diferenças. Dominique Wolton lembra que o “outro, ao mesmo tempo, atrai e assusta”. É preciso “aceitar a identidade e organizar a convivência das diferenças num espaço mais amplo”. O repúdio ao outro conduz a desejar o isolamento doméstico.

O STF patrocinou a censura à imprensa por três dias.

Voltou atrás.

Toffoli quase realizou um sonho: controlar a mídia.

O Brasil brinca junto ao precipício.


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