De Martin Luther King ao STF

De Martin Luther King ao STF

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Martin Luther King foi assassinado há 50 anos, em 4 de abril de 1968, em Memphis, no sul dos Estados Unidos. O assassino, James Earl Ray, fugiu para Lisboa com um passaporte falso obtido no Canadá.

Na capital portuguesa, hospedou-se num hotel barato da Baixa e frequentou bares e prostitutas. A moça com quem passou uma noite falou sobre o encontro. Nada de extraordinário. O homem era um racista vadio que dera vazão aos seus piores sentimentos lamentavelmente compartilhados por muitos. Especula-se ainda se foi uma ação isolada ou de um grupo.

O Papa Paulo VI lamentou a morte do líder negro estadunidense. O ditador português Salazar escreveu em seu diário uma observação que faria sucesso hoje nas redes sociais entre supostos adversários do “nós contra eles”: “Se eu fosse assassinado, não haveria um telegrama, nem um padre-nosso”. Ledo engano. Muitos choram por fascistas. Faz apenas meio século que isso aconteceu. Somente cinco décadas. Pensemos de outra maneira: eu era menino e ainda havia segregação racial nos Estados Unidos da América. A Lei dos Direitos Eleitorais é de 1965. Martin Luther King morreu lutando por igualdade.

A luta continua.

Ele ousou formular a sua utopia: “Eu tenho o sonho de ver um dia meus quatros filhos vivendo numa nação em que não sejam julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo seu caráter". Esse sonho para a maioria ainda não se realizou. Pessoas continuam sendo julgadas e discriminadas pela cor da pele. No Brasil, onde negros formam a maioria da base maltratada da pirâmide, a zombaria mais grave, o escárnio mais cínico, é ver brancos reclamando que mortes violentas de negros repercutem mais na mídia e provocam mais comoção social.

Nesse seu mais célebre discurso, pronunciado em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King, referindo-se à emancipação dos escravos, disse: “Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramente tolhida pelas algemas da segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mofar nos cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então viemos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda”.

Em 13 de maio de 2018 o Brasil comemorará 130 anos da abolição da escravatura. Quantas das frases de Martin Luther King citadas acima poderiam valer para negros brasileiros atuais: “Mas, 130 anos depois, o negro habita uma ilha solitária de pobreza...” Há brancos mais pobres? Nas estatísticas da desigualdade a média pesa sobre os negros. De direito tudo lhes é permitido. Na prática, muito lhes é negado. Formalmente tudo está ao alcance de todos. Concretamente uns têm braços mais longos do que outros. Quantos negros passaram pelo Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do Brasil? Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a dirigir o Supremo. Hoje, onze brancos reinam na casa iluminada por todos os holofotes. Vão cumprir a Constituição literalmente, interpretá-la livremente, adaptá-la conforme as conveniências ou inventar alguma surpresa? Sonhemos com Martin Luther King.

Ministros do STF são funcionários públicos. O artigo 41 da Constituição Federal diz que " o servidor público estável só perderá o cargo: I -  em virtude de sentença judicial transitada em julgado".


Funcionários beneficiados pelo trânsito em julgado decidirão contra a norma constitucional do trânsito em julgado para não funcionários ou, quando for o caso, aceitarão perder cargo antes do esgotamento de todos os recursos? Tudo se joga hoje. Que resultado vai dar? Façam as suas apostas.

 

 

 

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