De volta ao Brasil

De volta ao Brasil

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Voltei ao país. Cheguei ontem da França. Encontrei o Brasil semiparalisado. Fiz o trajeto do aeroporto até a minha casa ao meio-dia. Parecia madrugada. Poucos carros nas ruas. Salvo em longas filas em postos de gasolina. Li os jornais. Não entendi algumas coisas. O presidente Michel Temer, com seu ar tresloucado de sempre, aparecia em manchetes dizendo que colocou o país nos trilhos. A motorista do táxi não se conteve: “Em que mundo vive esse homem!” – exclamou. Eu também quero saber. O Brasil descarrilado e Michel Temer cantando vitória.

Há muito que Michel Temer parece fora da casinha. O desemprego aumenta, ele diz que a economia vai bem. A sua impopularidade bate recordes, ele se mostra interessado em concorrer à presidência da República, talvez para ao menos poder dizer que uma vez na vida foi candidato ao posto mais importante da política nacional. Outra hipótese é que quisesse renovar a proteção do foro privilegiado para não correr o risco de morar em Curitiba depois do fim do seu inesperado mandato. Em meio ao caos, Temer gabava-se de ter imposto a ordem. Na paralisia, o personagem discursava sobre as suas ações.

Os franceses queriam saber se a greve era dos trabalhadores ou dos patrões. A única resposta possível era acumulativa: dos dois. As outras perguntas eram constrangedoras: Temer vai cair? Por que o tecnocrata       que dirige a Petrobras e provocou toda essa confusão continua no cargo? Um professor de economia, mostrando conhecer a situação brasileira, foi mais longe: “Como se explica que multinacionais do petróleo tenham assento no conselho da estatal petroleira do Brasil?” A chamada imagem do Brasil lá fora no momento é a pior possível. As pessoas suspiram pela velha América Latina.

Quem eu encontrei na França: gente do mundo inteiro. Participei de um evento com mais de 50 especialistas em ciências sociais, intelectuais refinados, eruditos, pesquisadores de ponta. Tinha de russo a gabonês, de iraquiano a alemão, de francês a peruano, de australiano a libanês. Todos querendo entender a crise brasileira. Aproveitei também para encontrar velhos amigos jornalistas brasileiros que trabalham na França. Visto de fora, o Brasil parece mais claro na sua incapacidade de sair do atoleiro. Para não construir uma boa socialdemocracia, com o que isso implica de igualdade, a elite neoliberal acusa qualquer política social de ser comunista e não dispensa meios de qualquer natureza para atingir os seus velhos fins.

Cheguei fazendo perguntas. A única resposta enfática que ouvi foi: o país está desgovernado. Ninguém dá mais um centavo pelo governo de Temer. Foi-se o boi com a corda. A eleição está tão próxima que muitos sentem medo: e se o pleito for adiado. Tudo se tornou possível. Eu não acreditava no impeachment e ele aconteceu. Agora não me espanto com nada mais, de intervenção militar a mudança do calendário eleitoral. A situação é tão absurda que Michel Temer, feito um ator que se perdeu do cenário, continua a recitar o seu texto num terreno baldio achando que ainda está no palco do seu teatro encantado.

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