Democracia, constituição e transparência

Democracia, constituição e transparência

Da Venezuela ao STF

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      A nossa plástica América Latina não se emenda. Exige muito voto. Alimenta atalhos antidemocráticos. A ditadura madurista fez um simulacro de eleição no último domingo na Venezuela. Faltou eleitor (quase 70% de abstenção) e transparência (só os observadores de países amigos do regime). Depois de votar os eleitores podiam passar nos Pontos Vermelhos e pegar comida. Nem assim a maioria saiu de casa. Enquanto isso, por aqui, alguns ministros do STF tentaram rasgar a carta magna no grito: “A Constituição somos nós”. Constitucional para eles não é o que está escrito na carta aprovada, mas o que decidem que pode acontecer.

      O parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição Federal de 1988 diz cristalinamente sobre o Congresso Nacional: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”, conforme redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006. Não precisa ser hermeneuta nem constitucionalista para entender que não há espaço para reeleição de presidente da Câmara e do Senado. Basta ser alfabetizado. O resto é tese, lero, conveniência e jogo de poder.

      Não é a primeira vez que no STF se tenta contrariar o texto literal da Constituição. Recebe-se muitas vezes apoio dos consequencialistas, aqueles que colocam o resultado, se lhes for favorável, acima de tudo. Num momento defendem a literalidade da lei. Em outro, a sua livre e necessária interpretação. Tem como permitir a reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado? Tem. Basta fazer outra emenda constitucional: 308 votos numa casa e 49 na outra. O STF nada deveria ter com isso. Inventou-se que tudo é interpretação. Mas não é. Decretar o contrário do que diz a Constituição Federal desmoraliza a Carta, o parlamento e o STF. Mela a democracia. O STF existe para ler a Constituição, não para escrevê-la.

      Legal não pode ser o que o juiz diz que é, mas o que a lei diz. Se está ruim, mude-se a lei. O parlamento é eleito para tal. A interpretação surgiu para dirimir dúvidas e abrir brechas contra legislações imutáveis para privilégios de poucos. Hoje, pode servir ao oposto: garantir as conveniências de alguns. Provocado, o STF decide o que vale. Ao decidir, carimba o que foi definido como constitucional. Às vezes, até coincide com o texto aprovado por quem de direito. Em outras, colide com o texto constitucional. Pior para este. Maduro inventa o que lhe interessa: um parlamento paralelo, uma eleição sob medida, adversários aceitáveis. Ditadura é ditadura, de esquerda ou de direita. Aqui, o governo cria fantasmas para combater. Parte do STF tenta rasgar a constituição na frente de todos. Pressa em vacinar é problema.

      Ministros inventam argumentos de teatrinho: se pode reeleição no executivo, tem de poder no legislativo. Claro, é só o parlamento aprovar uma emenda constitucional para tanto. Ou definir que os ministros do Supremo podem reescrever a Constituição. Luís Roberto Barroso já reescreveu um indulto de fim de ano de Michel Temer a seu bel-prazer. A CF era ele. Felizmente, por 6 a 5, desta vez prevaleceu a Constituição. Não interessa quem ganhou com isso. A lei é lei. Não é mesmo?

 


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