Democracia ferida e direita cloroquina

Democracia ferida e direita cloroquina

Extremistas selam o ocaso de Trump

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      Resta uma saída para Donald Trump: declarar-se presidente de fato e ser reconhecido por governos amigos. O problema é que ele perdeu uma eleição com voto contado, recontado, observado, julgado e confirmado. Mas isso é detalhe para quem vive numa realidade paralela, com fatos customizados e apoiadores robotizados de plantão. O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, lançou nota, depois da invasão do Congresso norte-americano por uma horda neofascista, defendendo a democracia ameaçada por um golpe nos Estados Unidos. O ano de 2021 já tem lugar na retrospectiva do século: o ano em que a maior democracia mundial sofreu tentativa de golpe com apoio do presidente da nação.

      Quatro pessoas morreram na invasão do Capitólio, em Washington, capital de uma republiqueta bananeira da América que perdeu o norte e o porte, mas tem a sorte de possuir instituições fortes. Rimou direitinho. O trumpismo é que não rima com democracia. Trump criou uma nova extrema direita poderosa e tuiteira, em contado direto com o “povo”, que atende por muitos nomes: direita terra plana, direita ptolomaica, direita cloroquina, etc. No Brasil, basta direita Miami. Ele arranjou muitos defensores até na mídia brasileira, especialmente entre os que criticam extremos e extremistas. O arroubo fascitoide dos patriotas de Trump vem provocando um silêncio ensurdecedor entre os seus mais arrojados porta-vozes daqui. O republicano derrotado luta contra o comunismo de Joe Biden, considerado entre socialdemocratas como tão comunista quanto Winston Churchill ou o bravo Sílvio Santos.

      O presidente Jair Bolsonaro apressou-se em silenciar sobre o episódio. É que uma nota de repúdio ao golpismo leva tempo para fazer. Ainda mais num país com tradição na área. Precisa-se tomar cuidado para não ferir amigos e colegas. Ao falar, defendeu Trump. Um assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro tinha sugerido que a cobra fumaria na quarta-feira. Essa imagem vem da época da Força Expedicionária Brasileira. Dizia-se que era mais fácil cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra com os aliados. A cobra fumou. Será que desta vez havia gente preferindo o outro lado, o eixo? A cobra fumou de novo. Em favor da democracia. Os sinos dobraram para Trump. Ele não ouve. Salvo o que lhe interessa. Só queria onze mil votos para ganhar.

      Devia ter mandado imprimir o necessário. A melhor piada sobre o triste episódio da invasão do Congresso pelos bárbaros é esta: os americanos continuam apoiando golpes. Em tempos de pandemia, precisaram fazer home-office. No meio radiofônico paulista, de extrema direita, nas primeiras horas não ouvi um termo que normalmente deveria inchar uma dessas nuvens de palavras feitas por aplicativos: baderneiros. O golpe da extrema direita trumpista produziu um efeito cloroquina: não funcionou. No caso do medicamente, uma pena. Seria melhor que funcionasse. Assim não se precisaria de seringas e agulhas para vacinação, o que aliviaria a vida dos mestres da logística. Nos próximos anos leremos teses e livros sobre o golpe fracassado de 2021. Não faltará, claro, quem sustente que não foi golpe, mas manifestação.


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