Diário da quarentena (20): economia

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Mais Estado e menos ganância?

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      Houve o tempo da política. Depois, a economia passou a reinar soberana. Embora tenha baixo poder de predição, a economia tornou-se uma ciência social arrogante. Para cada tema que surge há sempre dois economistas, ao menos, pensando isto e aquilo com a mesma certeza e o mesmo desdém pelo pensamento oposto. Os economistas são como qualquer cientista social: trabalham com hipóteses. Não podem testar suas ideias em laboratório. Volta e meia, porém, transformam um país em laboratório. O Brasil viu isso muitas e trágicas vezes em décadas. O coronavírus desarrumou uma ideia assentada: a primazia da economia.

      Afirmar isso não significa dizer que o econômico perdeu a importância ou que se pode parar uma nação indefinidamente. A lição é mais simples e terá consequências muito práticas e imediatas: a economia precisa servir aos homens, não o contrário. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia, defende um “capitalismo progressista”: O mundo do século XXI é um em que o governo terá de assumir um papel maior do que no passado - a razão pela qual eu defendo um capitalismo progressista. Quero enfatizar que os mercados ainda serão importantes. Mas não podem ser os mercados irrestritos do neoliberalismo. A desigualdade cresceu. E é por isso que nossa política ficou tão feia’.

      O coronavírus alertou a humanidade para coisas óbvias como a brevidade da vida, a fragilidade das pessoas, a incerteza quanto ao futuro e as limitações dos modelos de organização social. Por que tantos deveriam se sacrificar sempre para satisfação de poucos? Stiglitz sustenta que é possível ter livre iniciativa e justiça social em grau bastante elevado. Para isso, claro, o apetite de uns deve diminuir e o interesse coletivo deve ser protegido coletivamente.

      As chaves para um “capitalismo progressistas” estariam na aliança entre poder organizado e conhecimento: “A realidade é que confiamos demais no setor privado e, em países como os EUA, onde o governo não funcionou, estamos vendo as taxas de mortes. Em países como a Coreia do Sul, onde o governo fez seu trabalho, a pandemia foi controlada rapidamente. Isso mostra o papel crítico do governo. A segunda parte é o papel da ciência. É notável a rapidez com que conseguimos analisar o vírus e descobrir de onde ele veio, desenvolvendo o teste. E toda a ciência é baseada em apoio governamental. Esse é outro exemplo da importância do governo. E no Brasil e nos EUA, temos governos que não acreditam em ciência. E nós vemos as consequências”, diz Stiglitz.

      Queremos viver para o mercado ou do mercado? Outro prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, afirmou em relação a medidas tomadas pelo presidente dos Estado Unidos: "Esta é principalmente uma conta de ajuda humanitária. O que é realmente importante são os benefícios de seguro-desemprego, dinheiro para as famílias, empréstimos para pequenas empresas, medidas que permitam às pessoas mais afetadas passar por isso com o mínimo de dificuldades financeiras". Foi preciso um vírus maldito para colocar o humano acima do econômico. Por algum tempo, of course.

 


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