Distritão, esperteza de cacique

Distritão, esperteza de cacique

Sistema eleitoral do Afeganistão serviria a quem no Brasil?

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      Tenho vários bonés. Hoje, usarei o de doutor em sociologia. Não dou carteiraço. Apresento o meu “lugar de fala”. O distritão está de volta. É o sistema eleitoral do Afeganistão. Ah, da Jordânia, Vanualu e das Ilhas Pitcaim. Faz lembrar a correção que Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, impôs a um economista outro dia na televisão. O economista disse que só o Brasil e a Estônia não tributam lucros e dividendos. Pomposamente Everardo Maciel alertou que não era verdade. Afirmou que também a Eslováquia não o faz. Quando o corrigido se preparava certamente para exclamar algo como “Ah, bom, grande diferença”, a apresentadora, que concordava com o lero-lero de Maciel, deu por encerrada a conversa. No dia seguinte, o secretário especial da Receita Federal, José Tostes, informou: “Temos aqui 20.858 pessoas, numa população de 210 milhões, que receberam R$ 230 bilhões sem pagar imposto". É teta que chama, não? Pelo menos é que dizem em Vanualu.

      O distritão é estultice. Eu já cheguei a achar que era positivo. O grande defensor dessa ideia era o presidente Michel Temer. Transforma-se a eleição proporcional de parlamentares em majoritária. Cada Estado vira um distrito e são eleitos os que fizerem mais votos e acabou-se. Cada candidato a deputado terá de fazer campanha de Itaqui a Alpestre. Ganhará quem tiver mais dinheiro ou for mais famoso e precisar menos de contato direto com os possíveis eleitores. Sendo representante de todo mundo, o eleito será cobrado por poucos, pois estará distante da maioria. O que parece bom nisso? Evitar que menos votados sejam eleitos no lugar de mais votados. O que tem de ruim? Encarece e dificulta a representação de minorias. Atualmente vige uma cesta de votos constituída pelos candidatos de um partido. Aquilo que é recolhido passa a ser repartido com todos de acordo com a contribuição de cada um. O quociente eleitoral define as cadeiras.

      Na Sorbonne, o professor André Akoun, deliciosamente rabugento, ensinava: “Todos os sistemas eleitorais são falhos. Quem tem um, quer outro. Melhor é sempre o que não se tem”. Até o do Afeganistão. Melhor para quem? Para quem se acha capaz de preencher os requisitos. Por exemplo, ser campeão de votos em longa distância. Quer eleição majoritária? Adota o sistema distrital. Pequenos distritos ao alcance dos candidatos, com campanhas baratas e exposição permanente ao eleitor até quando vai caminhar no parque. Quer algo mais sofisticado, adota o distrital misto, parte majoritário, parte proporcional. O distritão é esperteza matemática de cacique raposão. Melhor mesmo é deixar como está. O que precisa mesmo é manter a impossibilidade de coligação nas proporcionais, a associação entre partidos que permite contrabandear candidatos de ideologias opostas num mesmo saco.

      Com cláusula de barreira, que obriga a ter certo desempenho eleitoral para permanecer em cena, e sem coligação nas proporcionais, o número de partidos cairá com o tempo. As siglas de aluguel tenderão a desaparecer. O distritão é uma manobra de bastidores. Só atende aos interesses de políticos. Nada tem a ver com interesses dos eleitores. É aquela história: se é muito bom poucos, só pode ser ruim para todos.

 


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