Divagações sobre a felicidade

Divagações sobre a felicidade

publicidade

 Hesitei. Pensei em intitular este texto “reflexões sobre a felicidade”. Seria o mesmo conteúdo. Mas ficaria mais sério e mais respeitável. Talvez seja isso, ou também isso, que McLuhan definia com “o meio é a mensagem”. Sei que entendem. Ninguém divaga ou reflete sobre a felicidade sem citar os gregos antigos, que os atuais andam tão infelizes como nós, mas certamente com menos corrupção e mais noções de ética. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, sustenta que cada coisa busca atingir o seu fim, o seu bem. A finalidade do humano é a felicidade. Filósofos, em geral, são lógicos e amarram tudo direitinho. Os comentadores dos filósofos atordoam qualquer um com efeitos de erudição. Quando falam da felicidade, fazem uma pausa retórica e depois sapecam: “A eudaimonia” dos gregos.

Para os que gostam de etimologia o termo faz muito sentido: “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom gênio”. Um bom espírito. O problema é que “daemon” faz pensar em maus espíritos. No fundo, a felicidade seria estar bem consigo mesmo. Mas como estar bem consigo quando se é bombardeado por pressões externas e comparado a padrões quase sempre inalcançáveis? Diógenes, o cínico, aconselhava desprezar as riquezas e rejeitar as convenções sociais. Mais parece um bom caminho para a infelicidade. Como fazer isso, suportar a pressão e manter-se bem consigo mesmo?

Precisa um gênio muito firme como aliado.

Para Epicuro “o prazer é o começo e o fim da vida feliz”. Parece irretocável. Mas como chegar ao prazer? Eliminando a dor. Perfeito. O único problema é que a dor costuma ser mais persistente do que o prazer. Ela chega, sem ser chamada, e se instala. Ele, por mais que seja chamado, nem sempre aparece. De qualquer maneira, a felicidade estaria em saber dosar e domar os prazeres. Como? Epicuro sugeria que se encarasse a morte como o nada. Sendo assim não haveria o que temer. Ora, pois, é isso que parece o mais temível. Os estoicos recomendavam a ataraxia: a imperturbabilidade diante da dor. Não dar bola, não se afetar, matar no peito. Eu acho ótimo. Só não consigo fazer. Nem conheço quem o faça. A dor tem essa estranha mania de não se calar. Não adianta fazer cara de paisagem. A dor é sempre ruidosa e surda.

O inimigo a combater é sempre o desejo. Desejar demais cria dependência ou perda de controle. Não desejar leva à inação. Para Aristóteles a felicidade era “a atividade da alma dirigida pela virtude”. Bela frase. Restavam duas perguntas bobas: o que é a alma? O que é virtude? Kant parecia bem pragmático nesse quesito: “A felicidade é sempre uma coisa agradável para aquele que a possui”. Irrefutável. O agradável é sempre agradável. O filósofo acrescentava que a felicidade tem “como condição a conduta moral conforme a lei”. O problema é que, como diz aquela canção, “a lei não foi ideia minha”.

Saltemos dos gregos para um romeno.

Cioran, cujo livro de entrevista com Sylvie Jaudeau eu traduzi para a Sulina, desencantou-se

com a filosofia, que, segundo ele, não seria mais do que “um passatempo divertido incapaz de enfrentar uma perturbação essencial (...) sem nenhuma eficácia nos momentos graves”. Talvez não seja a sua função. Nos momentos graves existem alguns remedinhos matadores. A filosofia poderia ser útil para evitar os momentos graves. Otimismo? Cioran desprezava os otimistas: “Os entusiastas começam a tornar-se interessantes quando são confrontados ao fracasso e que a desilusão os torna humanos.

O bem-sucedido em tudo é necessariamente superficial”.

A felicidade talvez seja uma espécie de graça concedida a uns e não a outros, a pouco e não a muitos, um pouco e não sempre. Pode-se saber o que é, mas não como chegar a ela em escala massiva. Cioran jogara a toalha: “Se não escrevo mais, é por estar farto de caluniar o universo. Sou vítima de uma espécie de desgaste. A lucidez e a fadiga venceram-me – falo de uma fadiga filosófica tanto quanto biológica, algo se rompeu em mim. Escreve-se por necessidade, e a lassitude elimina essa necessidade”. Com certeza Cioran não é a melhor fonte para quem deseja refletir ou divagar sobre a felicidade. Há quem não goste de citações por se sentir humilhado por elas ou sem paciência para compreendê-las.

Nada tenho contra. Gosto de encontrá-las em agendas. Produzem uma boa cultura de almanaque ou de Wikipédia. Um dos livros que mais li e mais citei na vida se chama “Dores do mundo”, de Schopenhauer. Cito de novo: “Enquanto a primeira metade da vida é apenas uma infatigável aspiração de felicidade, a segunda metade, pelo contrário, é dominada por um sentimento doloroso de receio, porque se acaba então por perceber mais ou menos claramente que toda felicidade não passa de uma quimera, que só o sofrimento é real”. O próprio rabugento do Schopenhauer sabia que a infelicidade tem como contraponto o amor.  Não é bonito que um filósofo maldito ame o amor?

O homem apressado pergunta: eu preciso de filosofia para chegar a essas conclusões? Não sei. Eu precisei. A cada vez foi um choque. Depois, descobri “a felicidade é...”, “o amor é...” e sou feliz.

*

Que baita festa a dos 45 anos da Federação das Unimed-RS.

Teve show de Diogo Nogueira.

O Dr. Nilson May está de parabéns.

Inovou na arte de fazer discurso.

Ficou com cara de show.

Um momento de felicidade.

 

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895