Edgar Morin, o pensador aos 99 anos

Fazer 99 anos de idade falando forte, publicando livros, postando todo dia no twitter, dando entrevistas para jornalistas do mundo inteiro e falando do futuro, não é para muitos. É para Edgar Morin. O pensador francês, nascido em 8 de julho de 1921, que lutou na resistência clandestina contra a ocupação de Paris pelos nazistas, continua em alta combustão intelectual. Acaba de publicar um livro, “Lições sobre o coronavírus”, que sairá no Brasil pela Record. De Edgar Morin, que fez parte da minha banca de doutorado na Sorbonne, traduzi quatro dos seis volumes de sua obra-prima “O Método” (Sulina). Nunca aprendi tanto. Estive com ele na Amazônia. Bebo todo dia no seu saber.

      Para Morin, que conheceu e estudou os horrores da guerra, nunca uma crise foi tão multidimensional e total como esta do coronavírus, que chama de inimigo misterioso. O sábio quase centenário destaca que dependemos da ciência como nunca, mas que o saber científico sempre enfrenta a resistência do senso comum. Daí transbordam o negacionismo, a irresponsabilidade e todas essas atitudes que parecem ignorar o perigo e desafiar a racionalidade. Para superar a grande ameaça e construir um mundo mais seguro será preciso, diz Edgar Morin, unir dimensões complexas e complementares, o ecológico, o econômico, o social e o político. Sem contar, obviamente, o aspecto científico.

      A humanidade necessita, ao mesmo tempo, ensina o mestre ancião, de autonomia e de coordenação. Numa crise mundial, instrumentos supranacionais precisam funcionar para orientar e propor soluções comuns. O coronavírus obriga a humanidade a pensar em solidariedade, cooperação e interesses comuns. Ao jornal “Le Monde”, Morin sintetizou: “Essa crise nos leva a questionar nosso modo de vida, nossas reais necessidades mascaradas nas alienações da vida cotidiana”. Por que ficamos obcecadas por marcas, por objetos inúteis, por distinção social? Por que afundamos nossas existências no consumismo e no ódio? Por que tanta disputa, competição e desinteresse pelo próximo? Por que considerar mais eficaz um sistema que nos desampara na velhice?

      Num barco, perto de Belém, perguntei a Edgar Morin, então um jovem de menos de 80 anos, se acreditava realmente na capacidade da humanidade de ser solidária. A resposta dele ainda ressoa nos meus ouvidos: “Esse é o seu mais belo desafio, aquele que, se for perdido, significará uma derrota civilizacional”. A solidariedade é um pilar da civilização. De quantos vírus escapou Edgar Morin, cedo órfão de mãe, judeu em guerra contra os nazistas, humanista em ruptura com o stalinismo e o Partido Comunista Francês enquanto outros mentiam sobre a União Soviética, para nos ensinar que só a solidariedade salva? Quantas modas intelectuais passaram – existencialismo, estruturalismo, pós-estruturalismo – enquanto Edgar Morin tecia a sua complexidade para nos mostrar que pode ser mais interessante juntar do que separar para saber? Ainda podemos conhecer a árvore e a floresta. Aos 99 anos, Edgar Morin enfrentar o senso comum e o conformismo. Eis o intelectual. Eis o homem na plenitude dos 99 anos.

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Edgard de Assis Carvalho, amigo, especialista e tradutor de Morin, professor da PUC-SP, me enviou um belo pequeno texto sobre nosso mestre: "Edgar Morin costuma dizer que, à medida que o fempo passa, o rejuvenescimento se acentua.  Esse é o sentido que atribuo aos 99 anos hoje completados. Jovem e audaz, em todos seus ditos e escritos, Edgar prossegue em sua missão em prol de uma política de civilização  planetária principalmente nos sombrios tempos pandêmicos de hoje. Pedra angular de suas ideias, o pensamento complexo aposta na solidariedade e na fraternidade como formas de resistir à crueldade do mundo e combater o ódio coletivo que ultrapassou as fronteiras da pólis. A educação precisa se conscientizar disso, mas, como sabemos para mudar a educação é imperioso mudar os edicadores. Edgard de Assis Carvalho,  coordenador do Complexus".