Eduardo falou. O que ele quis dizer?

Eduardo falou. O que ele quis dizer?

Filho do presidente aplaudiu destituição da suprema corte em El Salvador

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      Citarei um francês. Tenho tentado evitar para escapar da chamada “corneta”: só cita franceses! O assunto de hoje exige. Quando cito alguém o leitor não precisa se dar o trabalho de procurar nada fora do texto. Entrego o que interessa. Machado de Assis citava franceses, gregos e latinos em profusão. Tascava fórmulas em latim e frases em francês sem traduzir. De vez em quando, metia uma em alemão. Pierre Bourdieu escreveu “O que falar quer dizer”, inicialmente uma palestra proferida em 1977. Acho esse título genial. O que dizemos, de fato, quando falamos? A frase de abertura poderia encantar o deputado Eduardo Bolsonaro: “Se o sociólogo tem um papel, este seria, antes de tudo, dar armas e não lições”. Claro que ele falava de dar argumentos.

      Por que meti Eduardo Bolsonaro na história? Por causa desta sua fala no twitter: “PR de El Salvador @nayibbukele tem maioria dos parlamentares em seu apoio. Agora, o Congresso destituiu todos os ministros da suprema corte por interferirem no Executivo, tudo constitucional. Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem”. O que Eduardo quer dizer ao elogiar a destituição de ministros da suprema corte de um país? Quando o regime bolivariano da Venezuela interferiu na suprema corte eu vi golpe. Sempre vejo golpe nessas intervenções. A ditadura militar brasileira de 1964 meteu a mão STF. Era golpe dentro do golpe. Simples assim.

      Bourdieu disse o seguinte na sua fala: “Nunca aprendemos a linguagem sem aprender ao mesmo tempo as condições de aceitabilidade desta linguagem. Ou seja, aprender uma linguagem é ao mesmo tempo aprender que essa linguagem será lucrativa em tal ou qual situação”. O que Eduardo Bolsonaro pretende lucrar com o que disse? Quer dar El Salvador como exemplo para o Brasil? Quer sugerir que os ministros do STF sejam destituídos por suspostamente interferirem no executivo? Citarei um brasileiro para contrabalançar o francês. Roberto DaMatta, talvez o nosso maior antropólogo em vida, diz que o Brasil se define em grande parte pela pergunta “você sabe com quem está falando?”

      Podemos colocar a questão assim: importa saber quem diz o quê. Por quê? Se eu digo que El Salvador agiu bem, isso tem um peso diminuto. Como sou jornalista, o peso não é nulo. Eu é que sou. Se quem diz isso é um deputado, filho do presidente da República, o que isso quer dizer? Que indicaria ao seu pai fazer o mesmo se contrariado? Eduardo tem um histórico de declarações polêmicas sobre o Supremo Tribunal Federal. Já disse que para fechá-lo bastaria enviar um cabo e um soldado. Foi interpretando como tendo simpatias pelo fechamento do STF. Teve de recuar, “pero, no mucho”. Espanhol pode.

      Será que Eduardo quis interagir com o pessoal que pede nas ruas a destituição dos ministros do STF que incomodam seu pai com suas decisões? Termino como um Machado de Assis genérico: “Vae victis”. Essa o leitor, salvo os que tiverem latim no colégio e os membros do judiciário, terá de procurar fora daqui. Só pela interatividade.


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