Eduardo Leite e a imprensa gaúcha

Eduardo Leite e a imprensa gaúcha

Governador revelou ser gay a Pedro Bial

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      Em entrevista, o governador Eduardo Leite contou a Pedro Bial que é gay. Fez muito bem. Há quem ache que demorou. Como jornalista, sempre tive dúvidas sobre muitas coisas. Por exemplo, é pertinente perguntar a um homem público, um político, em havendo continuados comentários a esse respeito, se ele é gay? Toda vez que Taline Oppitz e eu entrevistávamos Eduardo Leite no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, acabávamos comentando sobre o que ouvíamos e se deveríamos tratar com o governador. Sempre achávamos que se ele não falava por conta própria era por não se sentir pronto. Podia ser também que fossem apenas boatos. Acabava por prevalecer a ideia de que a sua orientação sexual lhe pertencia e não cabia a nós interpelá-lo a esse respeito. Por vezes, eu me perguntava: estarei deixando de fazer uma pergunta jornalisticamente relevante?

      Há quem entenda que um candidato não pode “esconder” do eleitor esse tipo de dado. Há quem sustente o contrário. Assim como há quem afirme que a orientação sexual, na medida em que pessoas são agredidas na rua em função disso, não é algo privado. Uma vez, num final de ano, estávamos no estúdio, esperando a hora de começar a entrevista com Eduardo Leite. O governador havia sentado no lugar da Taline, que fora ao banheiro. A bolsa dela estava na guarda da cadeira. Leite disse:

– Melhor tirar a bolsa daqui ou vão dizer que o governador é gay.

      Rimos. Eu pensei: será que ele quer falar do assunto? Será que é uma deixa? Mais uma vez a dúvida correu solta: por que entrar na vida sexual de um gestor público? Por outro lado: por que não abordar o tema? Por que tratar como tabu? Não seria importante ir direto ao ponto para combater o preconceito? A pergunta tomava formas diferentes: por que não falar se isso pode ajudar a enfrentar a discriminação que tantas pessoas sofrem? Não seria, porém, uma invasão da privacidade, a exploração de fofocas? Estaríamos sendo preconceituosos ao não abordar com naturalidade algo natural da vida de alguém? Um leitor disse que passamos pano. Sempre pensei que a iniciativa teria de ser de Leite.

      Por que ele contou agora? Possivelmente por ter se sentido pronto ou por estar cansado das baixarias, dos fuxicos e das acusações de inimigos. Há quem veja nisso apenas uma estratégia política com vistas à eleição presidencial de 2021. Parece arriscado num país homofóbico. Há também cobrança pelo seu apoio, embora com ressalvas, a candidatura de um presidenciável com histórico de homofobia. Leite disse que é governador gay, não um gay governador. Não sei se percebo totalmente a diferença. As duas coisas soam verdadeiras e dignas de respeito. Comentei no youtube que a imprensa gaúcha séria respeitou a privacidade e o tempo de Leite. Como ele teria reagido diante de uma pergunta?

      Não importa. Eduardo Leite deu uma entrevista histórica. Chegará o dia em que a orientação sexual de alguém não será notícia. Por enquanto, importa muito como forma de enfrentamento ao preconceito. Eduardo Leite contribui para o imaginário do nosso tempo. O jornalismo também aprende.


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