Elzita espera seu filho

Elzita espera seu filho

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Meias-Verdades e Anistia

Marcelo Rocha[1

A pernambucana Elzita Cruz é uma senhora de 97 anos. Como boa parte das pessoas de idade, Elzita reluta em mudar de casa ou de trocar o número de seu telefone. Contudo, seu comportamento não é motivado apenas em função da idade. Elzita aguarda até hoje o retorno de seu filho Fernando, desaparecido na época da ditadura militar (1964-1985). O caso de Elzita é apenas mais um exemplo de inúmeras mães que perderam seus filhos, de crianças que ficaram órfãs e de viúvos e viúvas do regime discricionário brasileiro.

A discussão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 2010, provocou uma enorme celeuma em alguns setores da sociedade, quando de sua divulgação. Com a deblateração, o governo Lula modificou a caracterização de “crimes cometidos pela repressão política” por “violação de direitos humanos”, no período da repressão. A sutileza na mudança da expressão indica que tanto os torturadores da ditadura quanto os militantes de esquerda podem ser, a partir daí, equiparados.

Em novembro do ano passado, a presidenta Dilma Roussef sancionou a lei que cria a Comissão da Verdade, a fim de apurar as violações dos direitos humanos no período de 1946 a 1988. Segundo o texto, a Comissão tem papel elucidativo e não punitivo.  Com ela, também foi sancionada a Lei de Acesso a Informações Públicas que acaba com o sigilo eterno dos documentos.

A reação ao PNDH3 é uma exortação à perda da memória que se vê difundida por alguns meios de comunicação e em artigos como o aqui referido. A estratégia do esquecimento remete à reflexão do historiador Peter Burke quando ele propõe o questionamento a respeito da organização social de uma política de ocultamente em que se faz necessário saber quem quer quem esqueçamos e por quê.

Na esteira deste pensamento, outro historiador, Eric Hobsbawm  já observava uma característica do século 20 perda da memória histórica, que faz com que tenhamos a impressão de que vivemos num eterno presente. Assim, o sujeito imergido no presente constante perde a noção da temporalidade e isso faz com que também se perca a capacidade de compreender a realidade da vida cotidiana de forma mais profunda.

O Brasil precisa abrir seus arquivos, sem medo, e mostrar que sua democracia está consolidada para apurar a verdade sobre torturas e desaparecimentos de perseguidos políticos. Em países como Argentina e Chile, entre outros, a anistia a militares envolvidos em crimes foi revista. Como lembra Marcelo Rubens Paiva, em texto lapidar, a lei da Anistia é da época da ditadura e muitos militares não merecem a pecha de torturadores.







[1 Professor da Unipampa- Campus São Borja.



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