Em defesa dos rolezinhos

Em defesa dos rolezinhos

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Dar um rolezinho

Todo mundo está falando dos rolezinhos. Não posso ficar de fora. Também quero dar um rolezinho num shopping. Logo eu que acho shopping tão excitante quanto um frigorífico, aquela atmosfera de galpão gelado, quase tão aconchegante quanto um aeroporto, onde, mesmo no verão, deve-se entrar de casaco. Os bárbaros estão de volta. As classes médias e alta vivem assombradas por esse fantasma. Ao mesmo tempo, desejam e repudiam os bárbaros. A barbárie sempre vem da periferia. Como já se disse, os bárbaros já estão dentro dos nossos muros.

– Somos nós?

– Também.

– Sempre?

– Só quando queremos nos divertir ou pegar um atalho.

A barbárie da periferia atrai. No Rio de Janeiro, as gatas da Zona Sul querem se esbaldar no funk da Zona Norte. Nada como ser cachorra por uma noite de prazer e, como diriam os franceses, de “acanalhamento”. A vida sem barbárie pode ser asséptica e tediosa. O problema é que os bárbaros podem querer tudo a toda hora. Aí é que pega. A periferia resolveu descer em grupo nos shoppings.

– Só para dar um rolezinho!

A convocação acontece no facebook. As castas mais elevadas querem que as pontes levadiças sejam erguidas e que os portões da cidadela sejam fechados para proteger os castelos. Os bárbaros imberbes, com seus bonés virados para trás, com essa estética apavorante e pós-moderna, estão chegando para dizer que já não há mais centro. O problema é que os shoppings, como os condomínios fechados, são atualizações de castelos medievais para conter a invasão bárbara. Como permitir que eles venham ocupá-los em bando? A lei logo vem te expulsar. É claro.

Até a presidente da República está de olho nos rolezinhos. Acontece que o centro não previu o que fazer com a energia represada da periferia. Tudo o que se quer é que esses bárbaros pós-modernos não incomodem e não saiam dos seus territórios, das suas reservas demarcadas simbólica e administrativamente. Mas eles querem emoção, diversão, sexo, consumo e direito de cidadania. Não se veem como caso de polícia. Como impedi-los de entrar num shopping? Como proibir que tenham um comportamento tribal? Vamos reeditar as leis sobre vadiagem aplicadas em larga escala depois da abolição da escravatura?

O mundo está ficando complicado. Os índios querem as suas terras. Os quilombolas também. A periferia não aceita mais ficar segregada e repudia os estigmas. Na sociedade de massa, a massa quer ser tratada como um segmento social por inteiro. As ainda chamadas novas tecnologias da comunicação associam desejo reprimido com capacidade de mobilização. Daqui a pouco, os nobres, retrancados nos seus castelos, começaram a gritar:

– A culpa é da internet.

Outros, mais assustados, farão ponderações:

– Pensando bem, até que os chineses têm razão.

– O facebook é um perigo.

A divisão do mundo entre os com e sem lazer dificilmente será mantida. Mais uma vez, como diria Michel Houellebecq, está acontecendo uma ampliação do campo da luta, da produção para o sexo e deste para o divertimento generalizado. As tribos querem participar. Elas já não se contentam em viver do outro lado da ponte.

 

 

 

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