Fiasco e chacina

Fiasco e chacina

Da comuna de Paris à Baía dos Porcos

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      A história é mestra de maus alunos. Agrupa num mesmo dia, de anos distantes, fiasco e chacina. Esta não deixa de ser um fiasco da humanidade ou de parte dela. Em 17 de abril de 1961, há 60 anos, os Estados Unidos da América pagaram um mico enorme ao tentar invadir Cuba, com refugiados cubanos, pela Baía dos Porcos. Foi o maior vexame da vida de John Kennedy. Derrota constrangedora. Cuba perdeu 156 homens e listou 800 feridos. Os invasores tiveram 400 baixas. Por que deu errado? Simples: os americanos juravam que a população cubana não apoiava o governo dos barbudos em conversão ao socialismo. Não era assim. O desembarque se deu diante de locais prontos para o combate.

      Em 17 de abril de 1996, há 25 anos, um grupo de 1500 sem-terra, em Eldorado dos Carajás, no Pará, foi atacado por 150 policiais bem armados e furiosos. Resultado: 19 mortos. A bala correu solta. Havia mulheres e crianças. Os três militares que comandavam a operação foram absolvidos em 1999. A repercussão internacional negativa levou à anulação do julgamento um ano depois e a novo júri em 2002. Dois chefes, Pantoja e Oliveira, foram condenados: 228 e 158 anos respectivamente de prisão. Os soldados foram absolvidos sob a alegação de que era impossível saber quem atirou nas vítimas. Resumo da chacina: “Os condenados, Pantoja e Oliveira, ainda puderam recorrer em liberdade e só foram para cadeia em 2012, 16 anos depois do massacre. Pantoja conseguiu direito a prisão domiciliar quatro anos depois e morreu no ano passado. Oliveira está em prisão domiciliar desde 2018”.

      Alguém poderá dizer que Cuba teria ganhado perdendo. Evitaria uma ditadura comunista longeva e letal para as liberdades individuais. Entrevistei em Havana um famoso escritor cubano e não pude citar o seu nome no material publicado para não expô-lo. O problema na época era que os cubanos ainda estavam curtindo o fim da ditadura direitista de Fulgêncio Batista. Temeram que os salvadores quisessem devolvê-los ao horror anterior à revolução dos barbudos. Os Estados Unidos não se haviam dado o trabalho de libertar os cubanos das garras da quadrilha de Batista. A situação era lucrativa para os poderosos vizinhos, que deixavam rolar em nome da soberania nacional. Havana era um cassino americano. Ou um bordel. Entre o mar e os rochedos. Pobres cubanos.

      Os sem-terra de Eldorado dos Carajás pediam bem pouco. Ganharam balas. O presidente Fernando Henrique Cardoso obrigou-se a criar de emergência um Ministério de Assuntos Fundiários e a promover reforma agrária. Em 18 de março de 1871, há 150 anos, eclodia a Comuna de Paris, uma imensa revolta popular por melhores condições de vida. Os franceses estavam cansados de esperar. Perceberam que ninguém dava nada de graça. Essa ideia se tornaria bordão de futebol no século XXI. Durou dois meses. A repressão foi brutal. A história, mais uma vez, como em 1789, mexeu-se. Aos poucos, entendeu-se que para evitar rupturas era necessário promover pequenas mudanças. O melhor antídoto contra revoluções seria a adoção de reformas. Para que muitos não queiram mudar tudo é fundamental que alguns aceitem mudar um pouco.


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