Filosofia em tempos de Natal

Filosofia em tempos de Natal

Viver é compartilhar

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Cada um sabe por si mesmo que a dor de existir é também a existência da dor. Cada um sabe que o nascimento do sol a cada manhã cura por um instante os males da eternidade. Todo sorriso estampa uma esperança mesmo quando não confessa sua crença na felicidade. Viver é muito mais que viver, pois cada beijo de amor reinventa a história como romance. Ser feliz ilumina a caminhada apesar dos desvios de percurso que, às vezes, levam aos confins do coração, onde alguns perdem o tino e outros descobrem a sina das paixões devastadoras.

O tempo passa e como muda o que sonhamos. Ainda somos os mesmos, aqueles que sempre seremos, mas já não nos reconhecemos em muito do que fomos. Há o tempo em que desejamos agarrar o mundo e o tempo em que pedimos ao mundo que nos proteja dos seus sobressaltos e dos nossos sentimentos. Não me tome por um fingidor, olhe bem, reflita antes de chorar, a luz do poente é um fogo que já não pode esperar. Caminhamos sempre com passos mais lentos e dias mais rápidos na direção desse sol que já não aquece embora ilumine como um incêndio em extinção. No voo do pássaro plana a certeza de que os melhores dias nunca perderão altura na imaginação ou, ao menos, na curva do olhar.

Cada Natal é um retorno à infância, viagem e permanência na inconsistência da memória. Ressurgem imagens perdidas nas esquinas do tempo. Ah, eu só queria ter uma lembrança e uma certeza, navegar entre os presentes para resgatar os amigos que partiram. Uns se foram antes do tempo. Outros se perderam nas bifurcações do caminho. Alguns, vez ou outra, ressurgem transformados pelos anos. Outros, enfim, parecem nunca mudar. Eu, de minha parte, sempre mudo para permanecer o mesmo, este ser em busca de si mesmo e dos outros que sou no meu silêncio.

Ano Novo é metáfora de semeadura. Mesmo que a contagem dos anos não passe de uma espécie de convenção, quem não se impressiona com a sensação de passagem, de ruptura, de corte e de floração? Já cogitei que o melhor seria ter ano novo a cada quatro meses para renovar mais rapidamente as esperanças num tempo melhor. O problema seria a banalização da passagem. Sem contar os fogos de artifício que enlouquecem os animais. E os preços dos hotéis. Melhor deixar assim. O tempo passa e como voltamos a ser o que sempre fomos, ainda somos os mesmos e sonhamos como crianças escrevendo cartinhas ao Papai Noel.

Se tudo mundo, nós mudamos também sem a ilusão da metamorfose total. Até podemos cantar: por um momento vivi a ilusão de que viver bastaria. Hoje eu sei que é preciso sonhar. Só quem sonha e não tem medo de ser piegas sabe a dor e a alegria de viver o que é, o que se é, o que não se pode deixar de ser. No peito de um apaixonado sempre bate um arrependimento: não ter vivido mais, não ter sonhado mais, não ter dado aquele passo à beira do abismo em direção à terra firme das melhores aventuras e realizações. E assim se passou mais um ano sem a esperança declinar. Sonhar nunca é demais. Viver sempre é pouco.

Felicidade é tentar de novo, acreditar que vai dar, que sempre é possível, afinal, bem sonhado, estamos aqui para quem sabe voar. Feliz Natal!

 

 


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