Grandes crises

Grandes crises

Brasil no seu atoleiro

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      O homem do século XXI acorda e se pergunta: o que houve? Corre aos jornais e atualiza-se. Está a par de tudo e ainda assim não encontra a resposta para o seu questionamento. Algo falhou. As democracias correm perigo. O extremismo mostra os dentes. A tolerância já não figura como ideal de vida. O antropólogo Roberto DaMatta diz que o Ocidente entende mais de ódio do que de amor e solidariedade. As fake news corroem um dos mais belos avanços tecnológicos, a internet. Um vírus enfatiza a nossa finitude e a nossa fragilidade. O que fazer?

A política não deixa de ser a arte de administrar crises. O problema é quando a política cria as crises para administrá-las. O mundo vive uma crise gigantesca: a covid-19. A solução mais racional seria quebrar patentes, requisitar laboratórios e produzir vacinas em regime de guerra. A vacinação homeopática que está sendo feita poderá chocar-se com um efeito de retardamento: ao começar a imunização do Grupo Y, dependendo do tempo de proteção do imunizante usado, o grupo X, vacinado em primeiro lugar, poderá já estar desprotegido. É o risco.

      O Brasil vive crises econômica, política, de trabalho e judiciária. A Lava Jato, que colocou na cadeia empresários e políticos importantes, foi enterrada pelo Procurador-Geral da República. As mensagens entre procuradores e o então juiz Sérgio Moro, obtidas por um hacker e agora liberadas pelo Supremo Tribunal Federal à defesa do ex-presidente Lula, mostram comportamentos inadequados: combinações, o juiz orientando procuradores, tabelinhas, acertos que, se costumam acontecer, não deixam de comprometer certa ideia de imparcialidade. E assim se estraga um bom projeto e se compromete o que deveria ser exemplar. Os consequencialistas, aqueles que só pensam nos resultados, no caso, o combate à corrupção, desprezam esses detalhes. A noção de devido processo legal, contudo, é fundamental para o Estado de Direito.

      Se o STF anular em série as condenações da Lava Jato, desmoraliza-se. Se passar pano para os deslizes da operação, apequena-se. Assim vai o país, que precisa de reformas tributária e administrativa. Mas não pode criar a ilusão de que elas resolverão tudo. A reforma tributária se justifica não só pela necessidade de simplificar um complicado sistema de pagamentos de impostos, mas também, ou principalmente, para diminuir a regressividade, mecanismo que faz, grosso modo, quem ganha mais pagar menos. A grande reforma a ser feita é a da diminuição da desigualdade, essa chaga histórica que mantém o topo tão afastado da base que esta não encontra elevador para subir e se aproximar um pouco que seja da posição superior.

      A grande arte consiste em equilibrar livre iniciativa com bons serviços públicos. Há exemplos mundiais bem-sucedidos. A Suécia é um deles. Não existe perfeição. Há com certeza a impossibilidade de transformar a imperfeição em sistema funcional. Um grande país não se faz sem investimentos certeiros em educação, pesquisa e saúde. Diminuir recursos em pesquisa sob alegação de que falta foco não ajuda. Corrija-se o alvo, busque-se a meta, aposte-se na massa crítica em ação.

Auxílio emergencial – Se o Brasil não relançasse o auxílio emergencial, prometido para março, muita gente não teria como suprir as suas necessidades básicas. O governo federal, além de tudo, só tem a ganhar com isso, pois verá a popularidade do presidente da República melhorar. No passado recente, considerou-se que esse toipo de ajuda seria um modo de cativar eleitores em currais partidários. Na verdade, é uma forma de solidariedade que garante o mínimo de dignidade às pessoas vulneráveis e aquece a economia. Quem criticou agora descobre os benefícios.

      O parlamento tem fôlego para fazer reformas consistentes neste momento? Ou se contentará com remendos? O que faz o governo hesitar na retomada do auxílio emergencial? O homem da pandemia acorda com a sensação de repetição, vibra com o sol que banha a rua fazendo do cotidiano um quadro de Vermeer, sonha com a retomada da normalidade, lamenta o golpe militar em Mianmar, saúda as políticas salutares de Joe Biden, inquieta-se com as novas cepas do coronavírus, olha jogos de futebol na televisão com saudades do tempo em que se podia ir a estádios, maratona séries na Netflix e pergunta: onde foi que erramos?

      Estamos, se arredondarmos, a um ano e meio das eleições presidenciais no Brasil. Os partidos já fazem as suas apostas. O DEM produziu a sua crise em torno da reeleição de Jair Bolsonaro e da eleição de Arthur Lira. Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados, fazia oposição ao presidente da República. Foi derrubado do cavalo por ACM Neto, presidente da sigla, que nega estar alinhado com Bolsonaro, mas não recusa estar com ele em 2022. O DEM sempre esteve no governo com Onyx Lorenzoni, Teresa Cristina e Luiz Henrique Mandetta. Se este ficou pelo caminho, os outros estão firmes e fortes. Muitas crises surgirão nos próximos meses. Dificilmente alguma abalará a convicção dos bolsonaristas na reeleição daquele que chamam de mito.

       

       


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