Homens da minha vida

Homens da minha vida

publicidade

 Devo o pouco que sou a alguns homens. Um dia, falarei das mulheres. Meu pai, claro, foi decisivo. Ele me ensinou o valor da luta e o amor pelo trabalho. Na hora de sair de Santana do Livramento, precisei de muita ajuda. Eu queria ser ator no Rio de Janeiro. Mas ficaria feliz em estudar jornalismo e direito em Porto Alegre. Como fazer para sair? Havia três possibilidades: entrar no exército, ingressar num seminário religioso ou encontrar quem me desse um empurrão. A primeira opção caiu logo por terra: nunca aprendi a marchar. A segunda esbarrou na Cleia, na Denise e na Vera Lia, que nunca me deram bola, mas pelas quais eu estava apaixonado. Surgiu o homem providencial. Meu primo Eleú, um batalhador que nunca desistiu do seu sonho e se formou médico depois dos 40 anos de idade.

Eleú me trouxe para Porto Alegre e me sustentou nos primeiros anos. Sem ele, não haveria começo para mim. Outro homem da minha vida se aposentou ontem da PUCRS, monsenhor Urbano Zilles. Ele foi diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas quando eu estudava história e brincava de anarquista. Tivemos algumas brigas. Quando voltei do doutorado na França, Zilles e mais dois homens da PUC importantes na minha vida, o irmão Mainar Longhi e o reitor Norberto Rauch, me deram emprego como professor. Zilles foi determinante. Bancou também o meu pós-doutorado na França, em 1998. Culto e provocativo, grande conhecedor de filosofia e teologia, Zilles não se furtou na vida a boas polêmicas. O título de um dos seus livros, Pode um cristão ser marxista?, dá o tom.

Eis um homem de personalidade.

Décio Freitas foi outro homem da minha vida. Sinto-me seu herdeiro intelectual. Quantas teses teria o Décio sobre o Brasil atual? Michel Maffesoli me abriu portas fundamentais e continua a ser um mestre de interpretação do mundo. As suas ferramentas de análise servem até para explicar o tradicionalismo gaúcho. Telmo Flor é outro homem para quem devo mais do que o conjunto dos países em desenvolvimento ao FMI. Sou um cara de sorte: tive muitos homens na minha vida. Por causa da apresentação do Esfera Pública, na Rádio Guaíba, com a Taline Oppitz em férias, curtindo uma praia, não pude ir, ontem, ao almoço de despedida em homenagem a Urbano Zilles.

Teríamos certamente relembrado nossas brigas, todas por minha culpa, coisas de guri, e nossas, caso se possa chamar assim, reconciliações.

Urbano Zilles foi um grande pró-reitor de pesquisa e pós-graduação na PUCRS, responsável pelo projeto “Mil doutores no ano dois mil”. Ajudou a universidade a dar um salto para o futuro. Foi visionário, persistente e meticuloso. Vai continuar na ativa certamente na sua paróquia, na Jerônimo de Ornelas. Na última vez que liguei para ele, estava, aos 78 anos de idade, trocando um pneu do seu carro numa rua qualquer. Zilles traduziu alguns dos chamados evangelhos apócrifos. Mais uma mostra do seu jeito de ser. Obrigado, professor, pelos puxões de orelha e pelas apostas que fez em mim.

Há muitos homens na minha vida.

E cabe mais.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895