Intercept, FHC, Seleção e Glau

Intercept, FHC, Seleção e Glau

Mulheres mandam bem, homens se arrastam

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Um dia pode ser muito longo.

Terça-feira, 18 de junho de 2019.

Marta vira artilheira das Copas do Mundo femininas e o Brasil avança.

O Senado derruba o decreto das armas de Jair Bolsonaro.

The Intercept lança mais um torpedo e mostra a Lava-Jato tentando armar uma simulação de imparcialidade com uma investigação fake contra FHC.

Sérgio Moro não deixou: "Melindra apoio importante".

O que se vê: Moro e o Ministério Público, mais uma vez, confabulando, combinando estratégias, articulando, agindo em conluio, maquinando, o que se quiser.

Brasil empata com a Venezuela. Time de Tite tomou vaia como se fosse chuva.

No São Pedro, em Porto Alegre, Glau Barros fez grande show.

Marta e Glau brilharam.

Os homens mais uma vez decepcionaram.

Eu, humildemente, sonhei.

Assim.

Uma noite, quando “alma do vinho cantava nas garrafas”, eu quis escrever as minhas tristes e belas crônicas de todos os tempos. Seriam belas por ser tristes e tristes pela beleza dolorida como numa manhã de geada quebrada pelos passos de um menino indo para a escola. Não me convinha nada menos do que a eternidade. Eu escrevia de peito apertado na solidão da taverna enquanto jorrava de uma velha jukebox um jazz tão melancólico que mais parecia o choro de um bandonion numa madrugada vencida. Eu me dizia como quem canta: esta noite serei capaz de capturar o choro dos infelizes, a esperança das prostitutas, a alegria dos sem futuro e o assobio de um bêbado perdido no labirinto das suas pernas desiludidas.

      Só a poesia contaria em cada frase. Uma poesia que se comprometeria da primeira à última imagem com a verdade mais sensível das coisas: o negrume aveludado da noite, a suavidade das notas de um trompete, a brancura das teclas do piano no fundo do bar, a franqueza das risadas ecoando lá fora sem ligar para o silvar do vento, o cheiro de umidade entrando pelas narinas, a voz cristalina de uma mulher elevando-se repentinamente para cantar uma música sobre a passagem dos anos e, em meio a tudo isso, a figura de um guri dormindo sobre uma cadeira com as pernas finas expostas. Eu quis agarrar nessa noite a alma do vinho. Era preciso beber o líquido e tapar a garrafa antes que o espírito tinto se evadisse.

      Nessa noite, sem querer, pensei em Paul Nizan, jornalista e filósofo, autor de “Os cães de guarda”, obra na qual denunciava, em 1932, os intelectuais comprometidos com a barbárie e protegidos por uma selva de conceitos obscuros. Anos depois, longe do vinho, pensaria em Serge Halimi e nos seus “novos cães de guarda”, estrelas da mídia a serviço do poder, disponíveis para se capitalizar com as perdas dos outros. Quanto fervor! Eu só queria pensar no voo do pássaro desconhecido, nas formas do amanhecer, nos perfumes da alvorada, nas pegadas das gaivotas nas praias, nas viagens do albatroz marrom, nos olhos do cão azul, nas dúvidas do Minotauro, no bêbado e na equilibrista. Mas não podia. Algo me impedia.

      O que era? Não sei. Um fantasma, talvez. O espírito da realidade. Então eu saí andando e vi moradores de rua, andarilhos, craqueiros, passantes de todo tipo e uma estrela solitária num canto do céu, que era denso como uma camada de tinta sobre nossas cabeças. Eu queria falar com aquelas pessoas. Impossível. Eu não sabia o que lhes dizer. Disso isto:

O navio se perde desatento

Como uma borra de café.

Minha mão pousa na tua

feito um artigo de fé.

Ela anda assim, nua

Pela fronteira agreste.

Somos retirantes do vento,

Solitários cabras da peste,

Fugindo do que sobrou do mar.

Resta sempre esse nosso azar

Um gosto de sal, pedra de toque

Um olho cortado espiando ao relento.

*

Na foto, Glau Barros no palco do São Pedro

 


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