Jornalistas na Independência

Jornalistas na Independência

Páginas amareladas da história

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    Há tanto livro que merece ser lido. Certo, nem todos. Este, porém, continua imperdível: Insultos Impressos. A Guerra dos Jornalistas na Independência – 1821-1823 (Cia das Letras, 2000), de Isabel Lustosa. Por que é interessante ler esse bloco de quase quinhentas páginas? A própria autora indica na obra: "Era a imprensa brasileira que nascia, comprometida com o processo revolucionário, no momento em que, de um dia para outro, deixávamos de nos considerar portugueses para nos assumirmos como brasileiros”. Para quem possa não lembrar, jornalistas como Gonçalves Ledo, amigo de Dom Pedro, deram muitos pitacos na história de então. Ele redigiu para Dom Pedro o manifesto de 1º de agosto de 1822 endereçado aos “povos do Brasil”.
Era pela unidade, “do Amazonas ao Prata”, e por D. João VI como soberano: “Está acabado o tempo de enganar os homens. Os Governos que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorancia dos Povos, ou sobre antigos erros, e abusos, têm de ver o colosso da sua grandeza tombar da fragil base, sobre que se erguera outr'ora. Foi, por assim o não pensarem que as Côrtes de Lisboa forçaram as Provincias do Sul do Brazil a sacudir o jugo, que lhes preparavam”. Bem direto.
O manifesto de 6 de agosto de 1822 teria redação de José Bonifácio. Dirigia-se às “nações amigas”. Queria independência política como “reino irmão” de Portugal. “Desejando Eu, e os Povos, que Me reconhecem como Seu Principe Regente, Conservar as relações politicas, e commerciaes com os Governos, e Nações Amigas deste Reino, e continuar a merecer-lhes a approvação e estimação, de que se fez credor o caracter Brazileiro; Cumpre-Me expôr-lhe succinta, mas verdadeiramente a série dos factos emotivos, que Me têm obrigado a annuir á vontade geral do Brazil, que proclama á face do Universo a sua Independencia politica”. Influências tão intensas não podiam se aturar pacificamente.
Ledo teve a parceria de Januário da Cunha Barbosa no “Revérbero Constitucional Fluminense”. Pegavam pesado. Acabou por brigar com os irmãos Andrada e teve de fugir, “disfarçado de frade”, para Buenos Aires. Voltaria em 1823, depois de dissolvida a Constituinte e de terem os Andrada caído em desgraça. Seria deputado. Morreria aos 66 anos. Na época, panfletos de pouco alcance e muita indignação viviam de polêmicas que podiam levar à morte. Em Recife, o jornalista baiano Cipriano Barata pilotava a “Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco”. Seria bombardeado pela imprensa da Corte sob a acusação de querer “amotinar as províncias”. Segundo Isabel Lustosa, ele defendia que as províncias não se tornassem “colônias do Rio de Janeiro".
Interessantes eram as categorias de acusação, os insultos da moda: “marotos”, “chumbeiros”, “marinheiros”, “pés-de-chumbo”, “corcundas”, “descamisados”, “mofina”, “azedo” e outros que tais faziam parte da artilharia cotidiana. Não era fácil ser jornalista naquele tempo. Januário Cunha Barbosa chegou a ser deportado para a França pelo ministro José Bonifácio. Perdoado, foi deputado e redator do “Diário Fluminense”, o jornal governista de 1824 a 1831. Que tempos aqueles!


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Belmondo
O avião foi inventado por Santos Dumont? Norte-americanos afirmam que não. A filosofia foi criada pelos gregos? Chineses acham que não. Homero escreveu a Ilíada e a Odisseia? Há dúvida de que ele tenha existido. Até a identidade de William Shakespeare é muitas vezes questionada. Seria de Sócrates (469-399 a.C.) o “só sei que nada sei”? É o que se diz. Salvo se foi uma pérola dada ao mestre por Platão. O chinês Confúcio (551-479 a.C.) teria dito praticamente a mesma coisa: “O que sabemos, saber que o sabemos. Aquilo que não sabemos, saber que não o sabemos: eis o verdadeiro saber”.
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A maior fonte de infelicidade da história da humanidade é a felicidade. Quem tem, teme perdê-la. Desespera-se. Quem não tem, sofre tentando obtê-la. Enlouquece. O problema é que não se sabe bem o que é felicidade. Dizem que é passageira, mas todos querem que seja permanente. Nas últimas décadas, a felicidade tornou-se uma obrigação. Quem não a tem, fracassa. O fracasso é o pior estigma em sociedades de competição total.
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Epicuro era feliz escrevendo e conversando. Ele era filho de um gramático e de uma mágica. Vegetariano, abria exceção para um pedaço de queijo. Bebedor de água, permitia-se um cálice vinho. Epicurismo virou sinônimo de orgia. Segundo consta, porém, Epicuro e sua turma pouco se esbaldavam nos prazeres de cama e mesa. O mestre morreria de cálculo renal. Na vida, não se sentia carregando pedra. Acreditava que cada ser humano podia se controlar e administrar sua vida com prudência e sabedoria.
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Podemos afastar o sofrimento com a força da nossa vontade? Ou sofrer é a prova de que existimos e de que existir é algo externo à nossa imaginação ou reflexão? Se não podemos ser felizes, temos a possibilidade, ao menos, de evitar a infelicidade sendo indiferentes ao que nos escapa? Ser feliz seria, antes de tudo, não ser infeliz? A questão da felicidade ocupou a mente estoica de Cícero (106-43 a.C.), Sêneca (1 a.C.-65) e Marco Aurélio (121-180). Esses três gigantes da vida romana pareciam felizes filosofando e valorizando a sabedoria. Marco Túlio Cícero brilhou como advogado, cônsul e orador. Lúcio Aneu Sêneca, o moço, destacou-se como filósofo e dramaturgo. Marco Aurélio, quando não estava meditando, dava expediente como imperador de Roma.
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Se tudo o que se quer é ser feliz, o que mais atrapalha? Segundo La Rochefoucauld, o amor-próprio. As nossas boas ações seriam sempre interessadas e interesseiras. Em troca de admiração. Quem já não citou esta máxima: “Hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”? Ou esta: “O amor-próprio é o maior de todos os aduladores”? O homem, entre entediado e satisfeito com sua verve, metralhava o mundo com sua inteligência assassina: “Nossas virtudes são, o mais frequentemente, apenas vícios disfarçados”. Por que ficamos infelizes? Porque sentimos inveja, ciúmes e somos devorados por paixões violentas, fugazes e incontroláveis.
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Felicidade era ver Jean-Paul Belmondo, cabeça branca, na linda praça Dauphine, em Paris, com uma menina loira de uns anos dez anos. Sua filha. Ele exalava serenidade. Ator de filmes de Jean-Luc Gordad, como “O Acossado”, Belmondo morreu na última segunda-feira, aos 88 anos.

 


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