Judiciário contra a lei

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 Consequências

 

      Para os consequencialistas a melhor ação é aquela que produz o melhor resultado global.

Será, porém, que o melhor resultado imediato é o melhor a longo prazo?

Li numa nota da Veja que o desembargador Gebran Neto, do TRF-4, teria admitido a amigos o descumprimento da “letra fria da lei” para manter Lula preso quando seu colega Rogério Favretto, na condição de plantonista do tribunal, num final de semana, determinou a soltura do “paciente”. Gebran, pelo jeito, é consequencialista. Para evitar uma libertação que considerava nociva à sociedade, descumpriu a regra do jogo e manifestou-se sem atribuição.

O consequencialismo de Gebran, aplaudido por razões ideológicas, pode ter como resultado global na longa duração a ideia de que a lei é maleável e se aplica conforme os envolvidos e a conveniência de quem julga desde que pretensamente em nome do bem geral. O simplificador, também consequencialista ideológico, dirá que só se está tentando defender Lula. Por trás do homem singular, contudo, está o princípio geral. A mensagem de Gebran foi clara: se a lei vai produzir uma consequência indesejada, o operador jurídico pode descumpri-la. Vale lembrar que, seguindo os procedimentos regulares, a decisão que aborreceu Gebran poderia ser anulada no dia seguinte sem atropelos.

Parece que há muitos consequencialistas na área. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, revelou que sofreu pressões para descumprir a ordem judicial de soltura de Lula: “Falei para o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública): ‘Ministro, nós vamos soltar’. Em seguida, a (procuradora-geral da República) Raquel Dodge me ligou e disse que estava protocolando no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a soltura. ‘E agora?’ Depois foi o (presidente do TRF-4) Thompson (Flores) quem nos ligou. ‘Eu estou determinando, não soltem’. O telefonema dele veio antes de expirar uma hora. Valeu o telefonema”.

Nenhuma dessas autoridades tinha poder naquele momento para determinar o descumprimento da ordem por mais que ela parecesse absurda. O problema de quem aprova decisões consequencialistas dessa ordem é que não universaliza. E se o próximo for ele ou quem ele apoia? Talvez os defensores do consequencialismo devessem reler “Uma teoria da justiça” de Johh Rawls e tentar imaginar o resultado de uma decisão sem partir de um lugar prévio ou sem saber a quem ela atingirá ou como a própria pessoa seria contemplada. Não sendo possível dada a notoriedade do caso, melhor inverter o princípio. Na prática, basta perguntar: e se fosse comigo? Em sociedades ditatoriais, nas quais a lei legitima a violência, interpretar a norma é ato revolucionário. Em sociedades democráticas, nas quais as leis são feitas por representantes eleitos em total liberdade, aplicar a “letra fria” da regra é obrigação: protege contra o subjetivismo da interpretação.

O consequencialista ideológico acha que defender princípios numa hora dessas é ideologia. Como toma sua ideologia por manifestação natural da verdade, não vê que morde o próprio rabo. Qual é a causa?

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O desembargador Thompson Flores publicou nota contestando que tenha havido pressão sobre a Polícia Federal. Disse que apenas avisou de um conflito positivo de competência entre dois desembargadores. Como pode haver conflito de competência entre um desembargador com jurisdição no momento da decisão e outro sem? Por que o chefe da PF mentiria? A culpa evidentemente só pode ser da mídia, a suspeita de sempre, a culpada de tudo, a louca.

 

 

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