Legalidade, o filme

Legalidade, o filme

Longa gaúcho conta uma história de amor

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Primeira observação de um espectador comum, romântico e adepto de boas histórias: “Legalidade”, filme do gaúcho Zeca Brito, com Cleo Pires e Leonardo Machado, que infelizmente partiu antes de a obra ficar pronta, tem o episódio comandado por Leonel Brizola, em 1961, pela posse de João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros, como pano de fundo. O seu foco mesmo é o amor entre uma repórter do Washington Post e espiã a serviço dos Estados Unidos, e dois irmãos, um jornalista e um antropólogo. Vi a pré-estreia do filme, no lotado teatro São Pedro, e pude notar a força do brizolismo entre nós. A plateia vibrava e aplaudia.

      Há quem se tenha frustrado um pouco com o filme, pelo que pude ouvir depois da exibição, por ter esperado, talvez, quase um documentário. O espaço dado a Jango é pequeno. Alguns esperavam mais embates entre Brizola e Jango ou entre Brizola e o general Machado Lopes, comandante do 3º Exército, que seria peça fundamental no tabuleiro da resistência ao golpe que os militares queriam dar. Segunda observação de quem gosta de política: o carisma de Leonel Brizola continua forte e envolvendo as pessoas. Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola são personagens dramáticos prontos: o enigmático; o homem de escuta; o incandescente. Quando penso na relação entre Jango e Brizola, penso no maravilhoso poema de Ferreira Gullar: “Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira”. Eis tudo.

      O pouco espaço dado a Jango talvez tenha a ver com o fato de que boa parte da história se passa enquanto se aguarda a volta do vice-presidente da China, onde se encontrava quando o presidente da República, o esquisitíssimo Jânio Quadros, renunciou na esperança de retornar ao comando do país com poderes reforçados e Congresso Nacional fechado, pois ele considerava, como certos vereadores de hoje, a democracia um obstáculo para realizar rapidamente as reformas que supostamente o país exigia. Teria sido possível dramatizar a Legalidade sem a história de amor que lhe serve de eixo? O jogo entre Brizola (multidão) e Jango (solidão), a conexão entre esses cunhados antagônicos e complementares, fogo e ar, delírio e ponderação, enfrentamento e negociação, é um manancial de situações a explorar.

      Possibilidade não é obrigação. O cinema é repleto de histórias de amor. Toma liberdades. Não tem espaço nem tempo para contar cada detalhe dos chamados “fatos reais” nos quais se inspira. Não se pode esquecer que, entre arte e entretenimento, o cinema quer, acima de tudo, emocionar, encantar, distrair, envolver. Li artigos muito críticos ao filme. Alguns com empáfia e frases obscuras sobre o desempenho dos atores. Vou radicalizar e caricaturar: se fosse argentino e tivesse Ricardo Darín como Brizola ou Jango, seria considerado excelente. Última observação: a cena de sexo quente, por mais que Cleo seja linda, era dispensável. Como assim? Dispensável se o filme fosse sobre a Legalidade. Perfeitamente compreensível numa história de amor tendo a Legalidade como pano de fundo.



 

 


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